segunda-feira, 19 de novembro de 2012

a semana


comi chocolate,
não deveria.
 
cabeça cansada
cansa mais que o corpo
 - todo dia.

estou com saudade e
uma ponta de tristeza,
por gente diferente:
uma que volta, outra não.

alguma expectativa para quinta-feira.
semana lenta.
outro mês chega menos ainda.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

sobre o que ocorre com frequência



Ainda estamos debaixo das cobertas quando as sinapses nervosas ativam as primeiras imagens do dia. A vida ensaia seus passos no corpo, segundos antes nas mitocôndrias, mas não notamos de imediato que está próximo do amanhecer. Ignoramos a sensibilidade, que é para dormir um pouco mais.

Acordamos, é tarde. Saltamos da cama sem sequer espreguiçar. Junto com a pasta de dentes que se dissolve na água da pia, mandamos embora os sentimentos que nos foram adiantados ao longo da noite.

O mundo foi previsto em fragmentos coloridos e rajadas de luz. Alguns códigos poderiam ser decifrados se tivéssemos acesso à linguagem das sensações. No entanto, desde muito cedo nos retiraram certas experiências. Há mais o que fazer em vigília!

A mente produz, o corpo responde. Só não nos disseram que as energias são estimulantes. Desejo, paz, raiva, consagração, coincidência, dúvida: do cosmo às células, passa tudo em sonho. Não é explícito, não sabemos que lição tirar. Inferimos apressados que é preciso ignorar. Com o que sonhamos na noite anterior? - perguntamo-nos, em um ato impulsivo de esquecimento.

Melhor, contudo, seria lembrar. Um caderno para anotar. Detalhes, falas, cores e movimentos. Quem sabe não evitaríamos recalques, pedras nos rins e até prisão de ventre?

Interrompemos um processo, tomamos água ao longo da noite. E as imagens voltam, aceleradas, gritando. Há o que se evidenciar. Não se trata de devaneio ou premonição, é uma parte da existência, é o início. A realidade desperta quando a cabeça ainda está no travesseiro. Sejamos atentos!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

no limiar


Estamos em circulação. Durante a caminhada, a trilha traz surpresas. Cascalho, mato, lama, água, pasto ou cimento podem estar na sustentação da nossa trajetória. Para cada passo, uma forma de pisar, uma respiração e um olhar. E assim acontecem as experiências.

O percurso revela uma infinidade de caminhantes. Aos poucos, conforme sentimos o chão, pessoas são identificadas, seus rostos ganham feição. Caminhantes lado a lado, ora necessitamos apoio, ora basta um empurrão. Pode ser que não tenhamos o que dar em troca ou que o carinho seja uma boa fonte de energia. Em muitos casos, não se compreende o que tantas vozes dizem. Vez por outra, captamos os sinais com uma leve movimentação de dedos, braços ou quadril. É tudo sutilmente esvoaçante.

No correr do caminho, acontece de as pessoas terem ritmos, velocidades e direções diferentes. Há quem chegue na frente e também quem tropece ou desmaie. Há quem cumpra sua jornada e deixe de vez a longa estrada. Há quem morra ainda em vida, virando logo ali em outra pista.

Também nessa estrada há abismos e planícies. Os abismos, profundos e escuros, nos revelam a crise e a realidade do percurso. As planícies, levemente assombreadas e frescas, nos oferecem oportunidade para respirar, observar, analisar, compreender, pactuar ou discordar. Quando alguém desvia seu rumo do nosso, sofremos e nos sentimos diante do abismo. O caminho em conjunto estava bom e cômodo. A dor é imensa.

Para aproximações ou abandonos, não há explicações plausíveis ou que sequer estejam acessíveis à nossa racionalidade. Aconteceu, o luto está por vir. Lutamos com as dores das transformações e, sem notar, nos posicionamos a um passo da próxima parada: a planície.

É no limiar que ocorre o luto. Velamos os que nos deixam e sentimos muito – por nós e por eles. Os enterramos. Nos despedimos em pensamento. Delírio e realidade se confundem, é quando tentamos recuar. Garantimos os sonhos mais lúdicos, mas padecemos de desilusão ao despertar. Pouco a pouco, desejamos novamente fincar os pés na terra. Quem sabe, voar? Quando seca o choro, gota a gota da lágrima que caiu é transmutada em sinais de tranquilidade. Isso, contudo, é sem adiantamento. Só há modos de esperar.

domingo, 23 de setembro de 2012

o amor segundo Patrícia Galvão



“Toda a vida eu quis dar. Dar até a anulação. Só da dissolução poderia surgir a verdadeira personalidade. Sem determinação de sacrifício. Essa noção desaparecida na voluptuosidade da dádiva integral. Ser possuída ao máximo. Sempre quis isto. Ninguém alcançou a imensidade de minha oferta. E eu nunca pude atingir o máximo do êxtase-aniquilamento: o silêncio das zonas sensitivas.” 


Não havia muito que fazer nos últimos tempos, a não ser dedicar-me com afinco à contemplação. Estava sentada em um banco da Praça da Liberdade, fazendo a sesta de uma segunda-feira distante da rotina. Apenas os pássaros eram meus companheiros para aquela tarde tranquila. O céu estava brilhante e cada folha derrubada da árvore pelo vento era um acontecimento. Buscava algo que me fizesse enternecer. 

Abri um livro recém-adquirido no sebo. Paixão Pagu, autobiografia de Patrícia Galvão. Texto propício para o momento em que encerrava minha “formação feminista”. Tratava-se de uma carta escrita por Pagu a seu último companheiro, Geraldo Ferraz, narrando, com minúcias, o extremo da dedicação ao Partido e todas as consequências disso. Li com os sentidos aguçados, considerando importante ir além da Pagu "exibicionista" ou das poesias "nothing".

À página 52, deparei-me com palavras de sentido. Era justificativa para o vazio que se abre na mesma medida em que crescem os impulsos de afeto e doação. Era consolo para os desejos de abraçar e que, quiçá, nunca serão sanados. Até então não havia explicação para um sentimento similar ao amor. Enterneci. Não era o que me inquietava propriamente, apenas encontrei mais uma vez em Pagu algo de identificação. Sentia, como mulher, por pessoas, causas e situações, o que não sabia dizer. Desde então, fiz minhas suas palavras.

domingo, 9 de setembro de 2012

falar? de que lugar?


"O exercício de furtar o tempo com uma fala mansa e detalhada constituindo uma gestualidade corporal encenada entre pausas, extravios e síncopes, floresce sonoramente as paisagens humanas" - Eguimar Felício e Dênis Castilho em Cerrado: patrimônio genético, cultural e simbólico.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

sobre o pranto

Dias antes de sua partida, consegui dizer que a amava. Ela respondeu com um beijo seguido de "eu também". Seu cheiro era de banho tomado e sua pele tinha uma camada fina de creme hidratante. Naquele dia, sua decisão de nos deixar estava tomada. Havíamos nos preparado, mas ainda assim fomos surpreendidos com a brevidade dos acontecimentos. Quando a notícia chegou, cruzei divisas, com algumas lágrimas deslizando por entre os cílios e os óculos, mas muito esforço para escondê-las.

Durante a despedida, estávamos todos sérios, tristonhos, cansados, peito apertado. Ninguém, porém, deixando que o pranto aparecesse. Devidamente comportados, evitamos que ela se incomodasse, depois de tanto viver de abalos e por nós. De minha parte, quis também seguir o ritual dos fortes, mantendo o acordo de gerações.

Os dias passaram e qualquer sentimento de falta ou saudade foi devidamente escondido por entre as penas do travesseiro. Minha mãe fez o mesmo, desaguando em suspiros secos. Até que ela resolveu voltar. Parou no meio do caminho, pois cada lágrima represada formava uma grande poça em sua estrada.

Abraçou-me forte, disse algo a mais que não me lembro, voltou a despedir-se repetidas vezes.  Desejamo-nos sentimentos bons e calmos e, enfim, choramos. Sentindo cada pingo que cortava meus lábios, sem restrições, fui despertada pelo sol. Olhei em volta, o quarto vazio. No lugar de seus chinelos de pano pairava um alívio doce, além de algumas suspeitas de amor. Como última lição, revelou-me: "Lágrimas são para correr!".

sábado, 26 de maio de 2012

sensitivismo

Sensações frequentes de que "já vivi isso antes". A isso dão um nome estrangeiro. Como é? Esqueci. É muito comum: no restaurante, na fila do banco, no ônibus, nas reuniões de trabalho, no contato com pessoas desconhecidas de modo geral. E, no fim das contas, de que adianta? Se as células chegam antes à cena, por que somos avisados somente no tempo presente? Memória recente ultrapassada.

Tenho impressões. Leves, pesadas, profundas, alteradas, alternadas. Impressão de que é fácil prever o que está por trás da aparência. Impressão equivocada. Tarefa dura é desmascarar o que realmente aflige ou ameaça. Por que me sinto mal e somente depois descubro a causa? Pura prevenção. O sonho avisa que não se deve descuidar de cada uma dessas células que chega primeiro em cena. 

Os sonhos são ora corriqueiras tormentas, ora rotineiro alento. Lembro-me de quando sonhei com o amor. Foi um sentimento tão puro que tornou-se real. Lembro-me ainda de quando sonhei com a morte. Essa, porém, permanece incógnita e "a única certeza". 

Me acomete a taquicardia e um peso perdura nos ombros. A isso tampouco sei dar nome. É algo que me faz mal e que sinto perto de outrem. Pessoas especificamente. Marcadamente isso acontece: sou provocada em silêncio absoluto e qualquer revide é sinal de fraqueza. Paira no ar o famoso jogo de poder, com cheiro de pipoca doce e sorriso amarelado. Parece que estou enganada. Parece que não.  Estagnada, quiçá.

Por que somente cães farejam? Assim me sinto louca, pois também farejo. Ou seria pouco racional conjugar esse verbo? Sim, despertam-me sentimentos profundamente primitivos que também parecem ser clarividência. Faz sentido. Enfim os lobos das peles de cordeiro soltam-se timidamente, acompanhando cada verborragia minha. 

Tenha mais cuidado - dizem os sonhos - proteja-se! Mas o ambiente é pura tensão, fazendo com que toda a sensibilidade capte doenças. Antenas ligadas transformam o "sensitivismo" em mais uma "patologia social". Não creio!

Descubro com quem lidar na medida em que os sorrisos se revelam sangue. Triste. Quero ver essa cortina de poeira bem longe dos olhos. E quedê que se revela? Transborda em minha e em sua cólera, mas até isso se traveste muito bem. Identificamos o que é que incomoda, mas quase nunca logramos reagir. Tudo não passa de déjà vu.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

trivialidade


nada mais frustrante do que...




a superficialidade e a pouca sinceridade
idade da maioria
e das relações

cada dia 
mais
propostas são "boas", com seus processos péssimos. 

segue-se firme 
modelo único do resultado 
pateticamente fordista. 

não se deixe fluir, 
isso é fracasso!
aço.

e as coisas se movem 
somente de acordo 
com interesses que não são os de quem?

sol após sol
o universo do "macro" denuncia
fragilidade. 

a mesma que faz 
que se tenha pouca vontade em conviver
por entre outrem. 

não é "culpa" das gentes. 
que culpa? 
resultado do controle histórico e suas condições.

ao menos é o que ensina
a poeira
do método. 

e toda aquela admiração 
inicial
pontual
juvenil
pelas possibilidades transformadoras, 
onde está? 

se dissipa. 

é terrível. 

pior que não nascemos
para a longa duração, tampouco
para perfeccionismos. 

isso é o que enlouquece.

domingo, 6 de maio de 2012

Movimentos circulares indicam: poema concreto



Imagem retirada de Facada Leite-Moça


Um quadro na exposição
é óleo sobre tela
guache com cartão
madeira esculpida
linha e tecido

Faz círculos em torno
do corpo das pessoas
que, à sua frente, se deparam
com o esquecimento da razão

Esse não é um poema concreto
!?!?!!!!
Apenas celebração...

Caetano interpreta onomatopéias
das quais
não dispensamos um só som

O tato é inevitável
A dança diante da instalação azul
T a m
b
   é
     m

A cor
de poeira envolve
ffffffffffffffffffffffffffff
meus olhos
diante dos desenhos de Oiticica,
quando imagino uma produção
cinematográfica
que nunca existiu.
Um sopro

Narrar é difícil

Difícil.

Mas todos podemos saltar
da janela ou por um buraco sem fim
Entrar em quartos escuros
que à meia luz nos apresentam
um grande mapa
Astral
Da vida

Movimentos circulares
doce coreografia
se vislumbra
Apaga-se a luz!

quinta-feira, 22 de março de 2012

constipação e revertério

Parei de escrever. A mente está em branco, mas o corpo, o coração, os olhos e todas as impressões que se manifestam pelo suor das mãos estão sob forte turbulência, em franca movimentação de sinais. Parece-me que toda a poesia sumiu, a vontade, a inspiração da vida, todo aquele engajamento pessoal para decodificar o mundo seguem sonolentos, padecendo de constipação intestinal. Restou apenas o revertério. Às pedras que saem aos poucos das cloacas, um consolo ou um afago não são o bastante. É algo além, de decisão, profundo, que poderá resultar em crescimento. Ou ainda mais tonteira, tontería, dor de cabeça, barulho nos tímpanos. Quanto tempo! O que se espera agora é mariposa.