segunda-feira, 1 de junho de 2009

preceito

Não faço o que não acredito. E descobri que isso é tão sério, mas tão sério, que sucumbiu faz tempo a vida pública. Vai muito além de não querer participar de uma reunião burocrática ou de não querer fazer proposta de programação para terceiros. Ultrapassa os limites do jornalismo, da militância, da Universidade, dos estudos, da cidadania, da deliberação, da escola. É bem pra dentro. É das relações, dos impulsos, das amizades, dos amores, do trânsito, do consumo, da aula de dança, da yoga, da alimentação. Enfim, é da vida. Se não boto fé, não procede. Pelo contrário, retrocede.

domingo, 31 de maio de 2009

compilação essencial


Passagem


"Há duas afirmações do amor. Primeiro, quando o apaixonado encontra o outro, há afirmação imediata (psicologicamente: deslumbramento, entusiasmo, exaltação, projeção louca de um futuro realizado: sou devorado pelo desejo, a impulsão de ser feliz): digo sim a tudo (me tornando cego). Segue-se um longo túnel: meu primeiro sim é roído pelas dúvidas, o valor amoroso é a todo instante ameaçado de depreciação: é o momento da paixão triste, a ascensão do ressentimento e da oblação. Posso sair, porém, desse túnel; posso "sobrelevar", sem liquidar; o que afirmei uma primeira vez, posso novamente afirmar, sem repetir, porque então, o que afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero sua volta, não sua repetição. Digo ao outro (antigo ou novo): Recomecemos."

Auto-imagem

"Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras) para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual nunca terei solução: por que desejo Esse? Por que o desejo por tanto tempo, languidamente?"

Desamor

"Uma blasfêmia vem bruscamente aos lábios do sujeito e quebra desrespeitosamente a bênção do enamorado; ele é possuído por um demônio que fala por sua boca, de onde saem, como nos contos de fadas, não flores, mas rãs. Horrível refluxo da Imagem. (O horror de estragar é ainda mais forte que a angústia de perder)."

Agonia

"... a angústia de amor (...) é o temor de um luto que já ocorreu, desde a origem do amor, desde o momento em que fiquei encantado. Seria preciso que alguém pudesse me dizer: 'não fique mais angustiado, você já o (a) perdeu".

Fim

"Quando me acontece de me abismar, é que não há mais lugar para mim em parte alguma, nem na morte. A imagem do outro - à qual estava colado, da qual vivia - não existe mais; ora é uma catástrofe (fútil) que parece me afastar para sempre, ora é uma felicidade excessiva que me faz recuperá-la; de qualquer modo, separado ou dissolvido, não sou recolhido em lugar nenhum; diante de mim, nem eu, nem você, nem um morto, nada mais a quem falar."

"... me explicava claramente, com voz precisa, frases formadas, sem qualquer incoerência, que às vezes tinha vontade de desmaiar; lamentava não poder nunca desaparecer quando tivesse vontade. Suas palavras diziam que ele assumia sucumbir a sua fraqueza, não resistir às feridas que o mundo lhe faz; mas ao mesmo tempo, substituía a essa força enfraquecedora, uma outra força, uma outra afirmação: assumo ao contrário de tudo e contra tudo uma recusa de coragem, uma recusa portanto de moral."

Conclusão

"O sujeito apaixonado é atravessado pela idéia de que está ou vai ficar louco".

Referência

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. Isabel Gonçalves.Lisboa: Edições 70, s/d. p.p. 26-44; 186.

P.S.

Há alguns meses, quando li "Fragmentos...", tomei as palavras de Barthes como parte de uma lição. Uma lição não muito clara, mas que depois ganharia sua conotação devida: a de libertação. Fiz fichamento, com o devido academicismo, e guardei aquelas notas bem escondidas, para quem sabe um dia aproveitar com mais tranquilidade. Está aí. Pra todas as formas de amor e de entendimento, recomendo!