sábado, 22 de outubro de 2011

há algo na estante

A página está em branco, mas a noite esteve ilustrada. Calçadas vazias, vias cheias de automóveis. Um carro branco parou na esquina. Me esquivei, obviamente. Contornei o quarteirão, para seguir sozinha na rua, na chuva, pisando em folhas úmidas, deparando-me com corpos de frio, com frio, num frio, corpos estilhaçados, longe da guerra, no mesmo abandono.

Noite iluminada de sábado. Blusa azul, calça de napa, guarda-chuva com a foto do Cristo Redentor. A chuva me lembra o Rio, sempre. Interessante foi que fiz tudo para estar só, queria, necessitava, mas não estava.

Fui ao Ouro ver Ivan. Ivan e sua performance. Um monólogo. Pensei sobre o teatro tradicional, que valoriza a experiência do ator e a reproduz, justamente, em monólogo. Estou a dizer besteiras? Ele dizia o mesmo, com seu corpo, seu bigode, sua fala, seus gestos reproduzindo até mesmo o mar.

Ivan começou com a experiência, o pão, os livros na estante, os sentidos das descobertas mínimas que nos despertam as máximas paixões. Foi um pedaço de sincronicidade, embora eu não acreditasse. Enfim, Ivan estava entregue. Queria ver os olhos, os rostos, queria descobrir a face humana. Falou de si. As pessoas aplaudiram antes do tempo.

Eu não. Esperava mais. Mais além até de “O Mercador de Veneza”. Shakespeare seria uma boa referência? Queria ver algo que se dilacerasse, como no início do espetáculo, algo de sensações, experimento e desejo de conhecer.

[toda a prateleira, tudo o que os livros poderiam dizer em suas poucas palavras...]

Estava eu instigada com Ivan, seus aparentáveis sessenta anos e a performance corporal forçada. Algo ali era clichê. Talvez os braços e as pernas. A meia-calça marrom. A ideia de homem de negócios, do tal “jogo do poder”, da cena pós-econômica, do questionamento do espetáculo em si mesmo e da sociedade do consumo. Tudo era um perfeito clichê. Me levou a pensar no pós-teatro. Para isso deveria servir o Ritual. Para não dizer o mesmo da angústia humana já esgotada e pouco resolvida. Será? Ele fazia reflexões que provavelmente fizera com muito mais força aos 20, aos 30, aos 40...

“Colocar em ação a cena do mundo”. Isso, em seu dizer e seu querer dizer, era o que ele mais desejara. Era o que fazia valer o trabalho de um ator. Uma reflexão epistemológica no palco. Mas, as pessoas não enjoam disso? Não se fartam de questionamento nos tempos em que os questionamentos mesmos não mais são aceitos?

Passei a anotar suas expressões, formulando as minhas. Malditos livros que estão na estante. E que não lemos. Não líamos. Não chegamos nunca a ler. Nisso estou de acordo. Malditas falas que nos falam o mesmo, o contrário do mesmo, mais do mesmo, e que nem sempre conciliamos. Sequer notamos. Isso foi o que Ivan delimitou tão bem: obras inacabadas, prontas a serem devoradas como pão. Anotei, percebi, me prontifiquei a sentir... Devorei?

E rabisquei, no instante em que a meia luz tornava-se inteira:

... “desejos, sensações, curiosidade, vontade, experiência, experimentos, sentimento, luz. reflexão comum dos seres humanos, entre os seres humanos, o medo. esperança, fala, vontade de ser e dizer, de dizer. uma busca, n’alma, em busca: a crença. e o que mais? dizer para entender, dizer para incomodar. é máscara? ou rosto?”.

Escrita total do bloquinho azul. Na estante, em outras oportunidades, significaria?

poesia, mais uma sequência

Compartilho em meu diário algo que li no dia de hoje e que deve caber a todos nós. Afinal, carregamos a tensão do cotidiano no trapézio das costas e no ventre; temos toxinas e líquidos acumulados na barriga, nos glúteos, nas pernas e nos braços; recebemos todos os dias promoções de "drenagem linfática" pelos sites de compra...

Meus agradecimentos a Mara, colega da oficina de literatura dramática, pela sugestão!


Diagnóstico



Receita




quinta-feira, 20 de outubro de 2011

misericórdia

Teria outrora algo mais interessante a dizer. A política, a estrutura, a crise, a greve, o trabalho, o conceito, o manifesto, o autor. Eis que um dia foi acometido de um problema ínfimo, dedicação máxima dos folhetins. Uma dor profunda e ignorada. Algo necessariamente difícil de se resolver e especialmente estranhado da coletividade. Chorou abafado. Esgotou seu próprio repertório, sem nem muito esforço. Tornou-se desde então de pouca graça, para todos e para si próprio, pois já não mais queria seguir com discursos e audiências. Queria somente um travesseiro. Para quem supunha que questões sociais não demandam afeto, recebeu bela noite um tiro de misericórdia:


Dorme, meu filho...” – consolou o poeta.

domingo, 16 de outubro de 2011

(im)produção

Em branco em branco em branco

Esquece Vazio Estranho Em branco

Vai fundo vai fundo vai fundo Mergulha

Vai fundo em curvas turvas ideias

Na mente Sem fim.

Não obstante se está perdido

Sem saber bem

Hum, bem Ao certo

O que doar

Fazer ou esperar

Só uma ideia: você.

Mudei o rumo da prosa

Mas,

ainda quero saber o que é

que a Capes tem feito de nós... Afinal?

Tão bem formados

moldes modos modas rodas modas trovas

Tão bons modos

Letra bonita sem rasuras no papel

E o ópio aquele bem doce

Do discurso, belo

parole palavras de ordem

Para a crítica...

de qualquer coisa que se possa iniciar com "Para a crítica..."

E, afinal?

Se estamos no entanto sem tato

sem contato sem êxito hesitantes

enfim, estranhados em fim Hein?