“Toda a vida eu quis dar. Dar até a anulação. Só da
dissolução poderia surgir a verdadeira personalidade. Sem determinação de
sacrifício. Essa noção desaparecida na voluptuosidade da dádiva integral. Ser
possuída ao máximo. Sempre quis isto. Ninguém alcançou a imensidade de minha
oferta. E eu nunca pude atingir o máximo do êxtase-aniquilamento: o silêncio
das zonas sensitivas.”
Não havia muito que fazer nos últimos tempos, a não ser dedicar-me
com afinco à contemplação. Estava sentada em um banco da Praça da Liberdade, fazendo
a sesta de uma segunda-feira distante da rotina. Apenas os pássaros eram meus
companheiros para aquela tarde tranquila. O céu estava brilhante e cada folha
derrubada da árvore pelo vento era um acontecimento. Buscava algo que me
fizesse enternecer.
Abri um livro recém-adquirido no sebo. Paixão Pagu, autobiografia de Patrícia Galvão. Texto propício
para o momento em que encerrava minha “formação feminista”. Tratava-se de uma carta
escrita por Pagu a seu último companheiro, Geraldo Ferraz, narrando, com minúcias, o extremo da dedicação ao Partido e todas as consequências disso. Li com os sentidos aguçados, considerando importante ir além da Pagu "exibicionista" ou das poesias "nothing".
À página 52, deparei-me com palavras de sentido. Era justificativa
para o vazio que se abre na mesma medida em que crescem os impulsos de afeto e
doação. Era consolo para os desejos de abraçar e que, quiçá, nunca serão sanados. Até então não havia explicação para
um sentimento similar ao amor. Enterneci. Não era o que me inquietava propriamente, apenas encontrei mais uma vez em Pagu algo de
identificação. Sentia, como mulher, por pessoas, causas e situações, o que não sabia dizer. Desde então, fiz minhas suas palavras.