domingo, 4 de setembro de 2011

ensaio de amanhã, quando lerei Pagu

Depois de muitas jornadas distantes, tentando vomitar o nojo das causas paralelas e dos interesses secretos, estou de volta. Ainda que não me tenham atribuído legitimidade, embora sem a (de)formação da vanguarda e do partido, ainda que nenhuma caravana para Brasília contasse com meu apego e meu suor, resolvi importuná-los, outra vez. Estou de volta para expressar um sentimento muitas vezes tolhido, ora "tolhedor" de outros, que nunca esteve totalmente livre da cultura naturalizada de exploração, sofrimento e silêncio com a qual convivemos tão bem, mas que é real, esquizofrênico e contraditório.

A avaliação sobre a paralisação do meu próprio trabalho, sobre a crise dos trabalhadores e sobre o que estão a classificar como "greve" do servidor técnico-administrativo da universidade pública brasileira, neste encontro que por um dia não celebra seus três meses de duração, será uma reverberação, uma paráfrase, uma cópia sentida. Será uma nota de rodapé, livre de conjunturas e conjeturas. Será um texto retirado de Patrícia Galvão, a maldita expulsa do Partido Comunista, Pagu, a "provocadora", a "agitadora individual, sensacionalista e inexperiente", poeta e crítica literária, das artes e da vida; texto esse escrito em 1947 e publicado em algum jornal da paulicéia - que pode, aliás, ser muito bem qualquer outra cidade, unidade, localidade, câmpus ou construção com argamassa, preconceito, partido apartado e dor.

De antemão aviso que ultrapassarei o tempo estabelecido por esta mesa dirigente, bem como suas barreiras de três minutos, somente encerrando minhas palavras quando desligarem o microfone ou quando Pagu finalizar seu discurso.



Carta aberta aos palhaços


O barulho acabou. A janela já pode ser escancarada para a rua, para os ruídos do vento e rodas das carroças na lama, menina que anda correndo, cachorro bulindo na lata de lixo. Os eleitores falam baixo como receptadores de objetos furtados de permeio a sujeira e bandeirinhas - tristeza.

Como se a festa acabasse, o que há meu filho? E o menino disse nada, diante do que atravanca e enche, um conjunto de fragmentos de tijolo, argamassa etc., como se fora para construir.

"Tudo não passa de uma covardia", disse Sérgio Milliet. É a verdade, menos a "big" parada. Não se tentou ainda a intervenção contra a sonolenta defesa dos interesses locais, que preconizam apenas um recheio mais ou menos para o meu peru. E é preciso cortar as amarras que nos submetem às clãs, quando a vontade é meter o nariz na casa do vizinho, levando um punhado de fogo nas mãos, despertando as coisas mortas. Que é tempo de fazer agir os cadáveres ainda que se voltem contra os fantasmas que somos.

O nosso sepulcro é gostoso, sim, gente. Envelhecemos danados da vida. Sem dúvida. Mas ó calorinho das cobertas e chinelos comodistas, que os revolucionários de ontem, hoje, usam relógios de pulso, afinal de contas ainda precisam notificar que têm um pulso e os comícios se fazem de automóvel.

Automobilista da esperança que aparece entre palhaços. Sérios irmãos "qualquer coisa", não sei bem. Porque você, amigo do peito de outros tempos, não botou smoking ou pelo menos um macacão proletário nos seus gatos pingados determinando para a sua gente, nós que te fomos saudar, o traje de rigor obrigatório, quer dizer, um nariz postiço, vermelho evidentemente, alvaiade nos inexpressivos focinhos e muito azul para os olhos.

Para dizer a verdade, eu por exemplo compareci sufocada por um colarinho de material plástico.

Resolvi não acatar a disciplina, disciplina consciente? Diz você, não estou entendendo muito bem, porque não gosto de coxilhas, e tá tá tá. Entre as coxilhas baixas, só gado na verdade, muito mais excitante é subir à unha qualquer morrinho, porque as cordilheiras e os ventos são feitos de pedra e não os atingem as inundações de barro. Lama eu tenho em meu bairro, na frente da casa, na abinha das minhas narinas, lama e água parada.

(...)

E nós dois, entre (...) a argamassa desses degraus que conduzem nunca se sabe para onde, mas para a frente, olhamos de cima para a cor local dessa cidade e nos perguntamos: Por que nos abandonaram?

Fomos sabotados, um abraço etc.


(Patrícia Galvão, Pagu, Diário de São Paulo, 9-11-1947)