domingo, 14 de março de 2010

dia da poesia

Fui avisada pelo Memória Viva que este domingo trivial, silencioso, meio abafado, de sol e chuva (casamento de viúva), de pássaros sobrevoando o quintal, cachorra escondida debaixo da cama, cerveja na hora do almoço, família reunida e leituras obrigatórias é, também, o Dia Nacional da Poesia. Quem diria, justo num domingo! O dia do descanso, da pureza, da felicidade até a metade, da tristeza com o cair da noite...

Segui os links indicados pelo "tuiter" do referido site e me deparei com duas inspirações de longa data e bastante recorridas pelos brasileiros: Vinícius e Drummond que, respectivamente, em O Haver e Procura da Poesia definem a palavra, o poema, o canto, enfim, sua metalinguagem como uma questão maior de sentimento, sentido, emoção, espera, reflexão e devir. Nada melhor para comemorar!


O Haver - Vinícius de Moraes

(...)

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

(...)

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.


Procura da Poesia - Carlos Drummond de Andrade

(...)

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada
significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de
família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

(...)

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?



Obs.: Dedico o Dia Nacional da Poesia às meninas de fogo, aos meninos que acompanham as meninas de fogo e a nossos tão doces momentos de vinhos e versos na Campininha das Flores. Dias que, em verdade, são noites. Belas noites de lua cheia. Noites que fizeram brotar a brincadeira da Gonorância Produções em uma forte parceria. Noites, contudo, que cada vez mais estão distantes e raras, por uma série de intempéries, mas que são muito especiais, pois é quando criamos, vamos à forra, desabafamos, nos entendemos e nos nutrimos para os dias duros de trabalho e academicismo.