sábado, 24 de dezembro de 2011

pressa de viver

Nosso humor muda, nossas histórias mudam, a vontade de contá-las varia bastante, as experiências, as emoções, as frustrações, o peso, o corpo, o olhar, a leitura, a crítica, as opiniões, a vontade de dormir e outros desejos mais mudam. E esse blog não consegue acompanhar.

Assim, quiçá, seja melhor!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

saudade

Venho pensando sobre saudade. Sobre como isso é um estado de espírito e ao mesmo tempo um sentimento prolongado que se desdobra em outros tantos. Aperta o peito, mas quando há consciência de que o motivo da saudade jamais voltará, logo nos conformamos e substituímos o incômodo por boas lembranças. Aperta o peito, mas se é óbvio que o motivo da saudade chegará em breve, a aflição torna-se esperança. Nos dois casos, saudade deixa uma coceira que nem a pomada indicada pelo dermatologista cura.

Minha mãe me presenteou com um vestido de flor. Senti saudade de quando era criança e brincava com suas roupas de adulta. Senti saudade também do meu avô, pois por coincidência e no mesmo dia passei por uma rua do Centro e o cheiro era de jasmim. Esse mesmo cheiro é também da adolescência no interior, mas dessa sinto saudade apenas quando quero fugir da rotina do trabalho. Exemplo um. As recordações me confortam e me fazem raciocinar de que avô não volta, infância não volta, juventude de ninguém volta, mas tudo isso é amor onde quer que esteja.

Passei quatro dias dando comida a um gato cujo dono viajou. Sentia o cheiro desse dono por toda a casa, era uma tortura. Exemplo dois. Eu queria que esse dono estivesse ali, mas era somente o gato. O gato é um fofo, mas o cheiro trazia saudade, então tudo tornara-se um prazer estranho e com leves pontadas. Eis que em pouco tempo o dono voltou, eu sabia, com um livro do Jorge Amado e muitos beijos de areia.

Esses casos é que me fizeram pensar sobre "saudade, palavra triste".

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

arréte là, menino

Num repente despertou-se confusa, inebriada pela paz acometida durante a noite, sozinha, avistando somente um rosto desconhecido. Conhecido e desconhecido. Ora um ora outro. Alguém que não conversava, não andava, apenas fitava-a com firmeza. Es decir, algum som de sua boca saía, mas não lhe era acessível. Rosto esse que não era de convivência, mas sim de deleite. Sensação de conforto logo deu espaço à solidão e ao vazio de nada esperar. “Arréte là, menina!”. Menino. Pois, “cada pétala de flor abre no seu tempo...”. Calma. Tudo parecia resumir-se de forma linear: viver em pensamento. Apenas em mente. Isso lhe trazia a calma tão desejada. Mas não era o fim. Não seria assim. No mesmo repente, esse rosto muito prontamente bateu-lhe à porta, pedindo um cigarro e fazendo-lhe convites. Irrecusável convite à ação. Que pena!



domingo, 30 de outubro de 2011

rio de janeiro, junho de 2010

Encontrei um papel rabiscado, dobrado, no vão das folhas de um caderno que estava prestes a ser enviado para o serviço de reciclagem. Abri. E me deparei com impressões sobre uma localidade que muito me traz boas recordações. Achei por bem registrar.


Sobre vozes e lugares

Alimento ideias sobre onde estou. E tenho lembranças que me remetem a contos, personagens, canções, filmes. Há muito estou na Central do Brasil, ainda que tenha fincado os pés neste espaço somente agora. E o que é a Central quando a noto por meus sentidos, sem representações?

O lugar sem paradas. Não há cadeiras para um breve descanso. Pelo alto falante, a locutora da rádio informa o próximo embarque. A mãe ensina os filhos a vender goiabada por um real. Um real também vale um chocolate, uma lâmina de barbear, um café. O trabalho das pessoas.

Duas jovens levam um senhor, cego, ao serviço de informações. A moça do balcão recebe quem chega. O vaivém é grande. Os sujeitos estão certos de onde vão. O som alto da Central não me deixa ouvir nitidamente as conversas recorrentes, mas todos têm o que dizer.

Caminho. Vou seguindo rumo ao centro comercial da cidade.

Minutos depois, estou na Uruguaiana e, em seguida, na esquina do Saara. As cornetas anunciam o evento de amanhã: o primeiro jogo da copa do mundo. A indicação dos ambulantes é que todos se preparem, com camisas e firulas. Outra rádio informa as horas, uma e vinte da tarde, e também as promoções. Por aqui, onde estará a voz das pessoas?

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

egocentricoinstrospeccionsimo

pintas, pelos, rugas, marcas e mãos. veias, sangue, saliva e cabelo. olhos, brilho, óleos e covas. ossos, rótulas, dedos e pés. bacia, cóxi, ombros e seios. virilha, músculos, tendão e tensão. tensão pré-menstrual. tensão pré-decisão. tensão pré-pós-revolução-que-nunca-chega. lágrimas, lágrimas, lágrimas e riso. calos nos pés. calos nas mãos. calos na região lombar. calos. calor. coração. oração. sentidos apurados da carne, da alma. pensamentos alheios. quero agora um gozo, uma experiência. as pessoas, tão belas. nada mais nada mais nada, além disso. disso e ponto. uma fase para além da abstração física do corpo e da concretude psíquica e muito obscura da inconsciência. alma ânima anima animada. animosidade extrema e excelente momento egocêntrico de percepção. de nada. introspecção. interiorização. introjetado introspeccionismo egocêntrico. de "la" nada.

sábado, 22 de outubro de 2011

há algo na estante

A página está em branco, mas a noite esteve ilustrada. Calçadas vazias, vias cheias de automóveis. Um carro branco parou na esquina. Me esquivei, obviamente. Contornei o quarteirão, para seguir sozinha na rua, na chuva, pisando em folhas úmidas, deparando-me com corpos de frio, com frio, num frio, corpos estilhaçados, longe da guerra, no mesmo abandono.

Noite iluminada de sábado. Blusa azul, calça de napa, guarda-chuva com a foto do Cristo Redentor. A chuva me lembra o Rio, sempre. Interessante foi que fiz tudo para estar só, queria, necessitava, mas não estava.

Fui ao Ouro ver Ivan. Ivan e sua performance. Um monólogo. Pensei sobre o teatro tradicional, que valoriza a experiência do ator e a reproduz, justamente, em monólogo. Estou a dizer besteiras? Ele dizia o mesmo, com seu corpo, seu bigode, sua fala, seus gestos reproduzindo até mesmo o mar.

Ivan começou com a experiência, o pão, os livros na estante, os sentidos das descobertas mínimas que nos despertam as máximas paixões. Foi um pedaço de sincronicidade, embora eu não acreditasse. Enfim, Ivan estava entregue. Queria ver os olhos, os rostos, queria descobrir a face humana. Falou de si. As pessoas aplaudiram antes do tempo.

Eu não. Esperava mais. Mais além até de “O Mercador de Veneza”. Shakespeare seria uma boa referência? Queria ver algo que se dilacerasse, como no início do espetáculo, algo de sensações, experimento e desejo de conhecer.

[toda a prateleira, tudo o que os livros poderiam dizer em suas poucas palavras...]

Estava eu instigada com Ivan, seus aparentáveis sessenta anos e a performance corporal forçada. Algo ali era clichê. Talvez os braços e as pernas. A meia-calça marrom. A ideia de homem de negócios, do tal “jogo do poder”, da cena pós-econômica, do questionamento do espetáculo em si mesmo e da sociedade do consumo. Tudo era um perfeito clichê. Me levou a pensar no pós-teatro. Para isso deveria servir o Ritual. Para não dizer o mesmo da angústia humana já esgotada e pouco resolvida. Será? Ele fazia reflexões que provavelmente fizera com muito mais força aos 20, aos 30, aos 40...

“Colocar em ação a cena do mundo”. Isso, em seu dizer e seu querer dizer, era o que ele mais desejara. Era o que fazia valer o trabalho de um ator. Uma reflexão epistemológica no palco. Mas, as pessoas não enjoam disso? Não se fartam de questionamento nos tempos em que os questionamentos mesmos não mais são aceitos?

Passei a anotar suas expressões, formulando as minhas. Malditos livros que estão na estante. E que não lemos. Não líamos. Não chegamos nunca a ler. Nisso estou de acordo. Malditas falas que nos falam o mesmo, o contrário do mesmo, mais do mesmo, e que nem sempre conciliamos. Sequer notamos. Isso foi o que Ivan delimitou tão bem: obras inacabadas, prontas a serem devoradas como pão. Anotei, percebi, me prontifiquei a sentir... Devorei?

E rabisquei, no instante em que a meia luz tornava-se inteira:

... “desejos, sensações, curiosidade, vontade, experiência, experimentos, sentimento, luz. reflexão comum dos seres humanos, entre os seres humanos, o medo. esperança, fala, vontade de ser e dizer, de dizer. uma busca, n’alma, em busca: a crença. e o que mais? dizer para entender, dizer para incomodar. é máscara? ou rosto?”.

Escrita total do bloquinho azul. Na estante, em outras oportunidades, significaria?

poesia, mais uma sequência

Compartilho em meu diário algo que li no dia de hoje e que deve caber a todos nós. Afinal, carregamos a tensão do cotidiano no trapézio das costas e no ventre; temos toxinas e líquidos acumulados na barriga, nos glúteos, nas pernas e nos braços; recebemos todos os dias promoções de "drenagem linfática" pelos sites de compra...

Meus agradecimentos a Mara, colega da oficina de literatura dramática, pela sugestão!


Diagnóstico



Receita




quinta-feira, 20 de outubro de 2011

misericórdia

Teria outrora algo mais interessante a dizer. A política, a estrutura, a crise, a greve, o trabalho, o conceito, o manifesto, o autor. Eis que um dia foi acometido de um problema ínfimo, dedicação máxima dos folhetins. Uma dor profunda e ignorada. Algo necessariamente difícil de se resolver e especialmente estranhado da coletividade. Chorou abafado. Esgotou seu próprio repertório, sem nem muito esforço. Tornou-se desde então de pouca graça, para todos e para si próprio, pois já não mais queria seguir com discursos e audiências. Queria somente um travesseiro. Para quem supunha que questões sociais não demandam afeto, recebeu bela noite um tiro de misericórdia:


Dorme, meu filho...” – consolou o poeta.

domingo, 16 de outubro de 2011

(im)produção

Em branco em branco em branco

Esquece Vazio Estranho Em branco

Vai fundo vai fundo vai fundo Mergulha

Vai fundo em curvas turvas ideias

Na mente Sem fim.

Não obstante se está perdido

Sem saber bem

Hum, bem Ao certo

O que doar

Fazer ou esperar

Só uma ideia: você.

Mudei o rumo da prosa

Mas,

ainda quero saber o que é

que a Capes tem feito de nós... Afinal?

Tão bem formados

moldes modos modas rodas modas trovas

Tão bons modos

Letra bonita sem rasuras no papel

E o ópio aquele bem doce

Do discurso, belo

parole palavras de ordem

Para a crítica...

de qualquer coisa que se possa iniciar com "Para a crítica..."

E, afinal?

Se estamos no entanto sem tato

sem contato sem êxito hesitantes

enfim, estranhados em fim Hein?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

dias de paz



"As pessoas não são más
Elas só estão perdidas
Ainda há tempo"
Criolo Doido


Percorria as estações de rádio como quem procura uma voz mansa, em sintonia aplacada com um tempo passado. Encontrava de balada a samba canção, como se tudo ainda seguisse. Mas o que desejava era um repente, um repique, um ronco de cuíca que fosse. Não importaria se de outrora ou vindouro, bastaria ser.

Sob o embalo do fundo musical, em nada mais pensava que não fosse pessoas. No que elas aspiravam para suas vidas. Saber-se-ía até mesmo se essa gente toda andava a buscar sentir! Algo que não fosse tão estranhado da vida.... Seria?

Múltiplo jogo de palavras em sua mente. Quanta irritação diante de modos secos e tão prestativos! Alterava novamente o tom da melodia, numa inquietude, como se quisera fugir de suas próprias intenções. Um grunhido pelas ondas, no momento em que o dial passou pelo ar sem voz humana, a despertara por poucos segundos. Piscou para o pensamento.

Pensar nas pessoas, logo em seguida do entusiasmo, provocava-lhe arrepios de asco e nervo. Não sabia como agir. Cobrava-se muito. Mas a frieza estava entranhada em seu pulmão escuro, assim como a fumaça do cigarro de ontem. E não seria ela apenas a sentir tamanha estranheza. Nas notícias do rádio, outrem se acometia do mesmo mal, todos os dias.

O mais puro e fraternal sentimento estava em voga e sob eterna disputa, no folhetim e também na propaganda eleitoral, ainda que os hábitos da prática o dispensassem. Mas o que a encabulava, de fato, era a incapacidade de amar e até mesmo de sofrer, como idealizaram os românticos da literatura. Nada que lera serviria? Tudo estava ausente. Tudo alheio. Mentira! Muitas de suas observações manifestavam-se em si mesma, tal como o ar e os resíduos sólidos.

Evitava o calor enquanto mudava a sintonia das rádios. Não suportava mais ouvir “só sei dançar com você/isso é o que o amor faz”. O amor faz dançar? – perguntava-se, em suspiros, gélida como uma valsa e calçada com as sapatilhas do balé, para onde iria depois da segunda parada à esquerda. Supunha que não, ainda que a música prometesse tamanha entrega e segurança, assim como uma reza. Outros motivos a levavam a dançar. Dos quais poucos estavam certos.

Pelas manhãs, logo às 7h, tomava o ônibus com os ouvidos grudados no fone do walkman. Quer dizer, mp3 ou mp4, talvez mp5, algo desta natureza, acompanhando a tecnologia bélico-industrial de sua era. Escutava o violão de Baden Powell, “tristeza on guitar”. Havia tristeza no instrumento e no samba alheio. Menos no seu próprio sistema circulatório. Bem que ela percorria. Nada!

Viver em paz: tédio demasiado para os tempos do rude trabalho, já diziam os poetas declamados pelo locutor no programa da madrugada.

domingo, 4 de setembro de 2011

ensaio de amanhã, quando lerei Pagu

Depois de muitas jornadas distantes, tentando vomitar o nojo das causas paralelas e dos interesses secretos, estou de volta. Ainda que não me tenham atribuído legitimidade, embora sem a (de)formação da vanguarda e do partido, ainda que nenhuma caravana para Brasília contasse com meu apego e meu suor, resolvi importuná-los, outra vez. Estou de volta para expressar um sentimento muitas vezes tolhido, ora "tolhedor" de outros, que nunca esteve totalmente livre da cultura naturalizada de exploração, sofrimento e silêncio com a qual convivemos tão bem, mas que é real, esquizofrênico e contraditório.

A avaliação sobre a paralisação do meu próprio trabalho, sobre a crise dos trabalhadores e sobre o que estão a classificar como "greve" do servidor técnico-administrativo da universidade pública brasileira, neste encontro que por um dia não celebra seus três meses de duração, será uma reverberação, uma paráfrase, uma cópia sentida. Será uma nota de rodapé, livre de conjunturas e conjeturas. Será um texto retirado de Patrícia Galvão, a maldita expulsa do Partido Comunista, Pagu, a "provocadora", a "agitadora individual, sensacionalista e inexperiente", poeta e crítica literária, das artes e da vida; texto esse escrito em 1947 e publicado em algum jornal da paulicéia - que pode, aliás, ser muito bem qualquer outra cidade, unidade, localidade, câmpus ou construção com argamassa, preconceito, partido apartado e dor.

De antemão aviso que ultrapassarei o tempo estabelecido por esta mesa dirigente, bem como suas barreiras de três minutos, somente encerrando minhas palavras quando desligarem o microfone ou quando Pagu finalizar seu discurso.



Carta aberta aos palhaços


O barulho acabou. A janela já pode ser escancarada para a rua, para os ruídos do vento e rodas das carroças na lama, menina que anda correndo, cachorro bulindo na lata de lixo. Os eleitores falam baixo como receptadores de objetos furtados de permeio a sujeira e bandeirinhas - tristeza.

Como se a festa acabasse, o que há meu filho? E o menino disse nada, diante do que atravanca e enche, um conjunto de fragmentos de tijolo, argamassa etc., como se fora para construir.

"Tudo não passa de uma covardia", disse Sérgio Milliet. É a verdade, menos a "big" parada. Não se tentou ainda a intervenção contra a sonolenta defesa dos interesses locais, que preconizam apenas um recheio mais ou menos para o meu peru. E é preciso cortar as amarras que nos submetem às clãs, quando a vontade é meter o nariz na casa do vizinho, levando um punhado de fogo nas mãos, despertando as coisas mortas. Que é tempo de fazer agir os cadáveres ainda que se voltem contra os fantasmas que somos.

O nosso sepulcro é gostoso, sim, gente. Envelhecemos danados da vida. Sem dúvida. Mas ó calorinho das cobertas e chinelos comodistas, que os revolucionários de ontem, hoje, usam relógios de pulso, afinal de contas ainda precisam notificar que têm um pulso e os comícios se fazem de automóvel.

Automobilista da esperança que aparece entre palhaços. Sérios irmãos "qualquer coisa", não sei bem. Porque você, amigo do peito de outros tempos, não botou smoking ou pelo menos um macacão proletário nos seus gatos pingados determinando para a sua gente, nós que te fomos saudar, o traje de rigor obrigatório, quer dizer, um nariz postiço, vermelho evidentemente, alvaiade nos inexpressivos focinhos e muito azul para os olhos.

Para dizer a verdade, eu por exemplo compareci sufocada por um colarinho de material plástico.

Resolvi não acatar a disciplina, disciplina consciente? Diz você, não estou entendendo muito bem, porque não gosto de coxilhas, e tá tá tá. Entre as coxilhas baixas, só gado na verdade, muito mais excitante é subir à unha qualquer morrinho, porque as cordilheiras e os ventos são feitos de pedra e não os atingem as inundações de barro. Lama eu tenho em meu bairro, na frente da casa, na abinha das minhas narinas, lama e água parada.

(...)

E nós dois, entre (...) a argamassa desses degraus que conduzem nunca se sabe para onde, mas para a frente, olhamos de cima para a cor local dessa cidade e nos perguntamos: Por que nos abandonaram?

Fomos sabotados, um abraço etc.


(Patrícia Galvão, Pagu, Diário de São Paulo, 9-11-1947)

domingo, 28 de agosto de 2011

domingo, 31 de julho de 2011

padrão de sociabilidade

Anos de 1980, "década perdida" e tensa. Crise econômica; armas espaciais em disputa; combustível caro; política da selvageria, nos trópicos, começando a ruir; bloco oposto idem. O clima, já sabíamos desde os 60, era de incerteza, insegurança e desequilíbrio. A utopia tornava-se mera ilusão, pouco a pouco. E as ombreiras sustentavam mais do que deveriam.

Antes, porém, de se decretar falência e partir rumo às novidades do mundo "rearranjado", a hegemonia tentou ressuscitar os anos dourados, o estilo brilhante do consumo cinquentista, a ingenuidade das baladas e as vestes de marinheiro. Foi o golpe cultural final que, tal como o sobretudo em formato trapézio, tampouco acertou. E isso só foi perceptível, para mim, agora, em 2011, estudando a "nova sociabilidade" da cultura virtual e, claro, assistindo para relaxar esse videoclipe da minha saudosa infância. A-HA: "You are the one".





Um dia explico melhor o que estou pensando!

domingo, 24 de julho de 2011

por que é óbvia a morte da estrela?

Morre mais uma estrela. E com ela vai nosso bom senso. Choramos, nos partimos e revelamos os ecos de nosso vazio. A estrela passa a ser sinônimo de virtude e de rebeldia, ainda que tivera sido bem moldada - tal qual suas antepassadas que também se avassalaram em escândalos. Uma boneca fabricada e programada. Aos 27, já prevíamos. Não porque temos oráculo, mas porque já nos cansamos de tanto lugar comum. Ainda assim, nos querem fazer surpresos. Não estamos, mas fingimos. Surpresos e tristes, para o bem de todos os que no mundo permanecem.

Anti-heroína sensível e destruída pelo masculino. O retrato de uma sociedade que cultiva mitos, ainda que não existam novos mitos. Não suportamos esse mundo, apenas o dissimulamos. E, quando se apaga a estrela, lamentamos em falsas lágrimas, revelando a fragilidade de nossa aparência. Semicultural e redundante aparência. Comovemo-nos com as idênticas narrativas, para que não nos sitamos tão gélidos.

Acreditamos em números, em cabala, em fórmulas prontas e também na inocência da jovem que, por não suportar o mundo, tal como nós, preferia entorpecer-se. Também nos entorpecemos, todos os dias, com a carga simbólica que nos remete às estrelas. Sua voz rouca, drástica e doce estará sempre em nossos sonhos, até a próxima boneca, com o mesmo ciclo.

E depois ainda dizem que o conceito de industria cultural está superado?



quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pelo direito de ser grupo, de fazer greve, de ter um posicionamento político e de assumir as próprias contradições

Nota: Escrevi esse texto para ser lido na assembleia da minha categoria, em greve por todo o país desde o dia 6 de junho. No entanto, como essa pronúncia deve passar dos dez minutos, pelo prolongamento do texto, não sei se terei condições de fazê-la. Deste modo, compartilho as ideias que me afligem aqui neste blog.




Gostaria de falar sobre algumas coisas que estão a incomodar.

A primeira delas é com relação ao individualismo que está posto na vida, no trabalho e até mesmo dentro do movimento sindical.

O individualismo radical tem sido a grande marca do século XXI. Desde as primeiras crises do capitalismo monopolista, na década de 1970, uma "nova sociabilidade" vem sendo engendrada entre as pessoas como forma de acompanhar os rearranjos necessários à reconstituição do sistema. Isso não quer dizer que estão a inculcar comportamentos, mas sim que há uma série de falsas consciências sendo organizadas e reelaboradas. Uma delas, e muito forte, é a do individualismo radical, aquele que me faz me sentir super-potente e, ao mesmo tempo, me culpa por tudo o que há de ruim na vida e no mundo.

Juntamente com o individualismo está a "novidade". "O mundo mudou", proclamam os donos do dinheiro há mais de 300 anos! E quanto mais crise econômica se vê pelo mundo, mais o discurso da "novidade", a apropriação da ideia de "revolução", juntamente com a proposta de "ser livre" e "ser indivíduo", são entranhados nas relações sociais. Esta primeira década do século XXI revelou bastante isso: crise, desemprego, miséria, exploração, revoltas populares, por um lado, e "novidade" na cultura, "tecnologia", alto consumo, ilusões, novos corporativismos, tentativa de dizer que as classes sociais se dissolveram, por outro. E onde está o individualismo? Está tangenciando comportamentos, pois cada vez mais somos levados a crer que o futuro depende de nós, que o sucesso depende de nós, que até mesmo a mobilização depende de nós, desde que seja feita por “cada um”; mas não por todos. As causas reais da exploração são camufladas e nós, trabalhadores, passamos a crer, em nossos cotidianos, que, de fato, somos os únicos responsáveis por todas as crises pelas quais passa o mundo.

Quando do início desta greve, ouvi muita gente dizer que “vai da consciência de cada um” aderir à greve. E o que é essa consciência de cada um? A falsa consciência aproxima essa “consciência de cada um” ao livre arbítrio, sem nem mesmo lembrar que essa “consciência de cada um” não brota como magia, mas sim como reflexão em conjunto.

O individualismo também está presente dentro de nosso próprio movimento quando ouvimos que a pessoa que sofre assédio moral é “fraca” por se sentir abalada com isso. Ora, além de cultivar, mais uma vez, a responsabilidade das partes pelo todo, esse discurso impede que enxerguemos e realizemos debates francos sobre o conformismo, sobre o medo, sobre a dominação e sobre o abuso de autoridade. Devemos evitar individualizar questões que são, em verdade, coletivas.

(...)

Também gostaria de pensar sobre o sentido da greve. Por que os trabalhadores realizam greve?

Desde os primeiros pensadores das relações de classe, que são as mesmas relações de produção, a greve é considerada o resultado de uma crise. Crise esta que, por sua vez, deriva da conscientização dos trabalhadores. E como é que nós, trabalhadores, adquirimos consciência? Consciência de quê? "Consciência de classe".

Se voltarmos nos escritos de Marx, perceberemos que a consciência de classe não surge de forma automática e metafísica, mas sim da percepção real por parte trabalhador de sua condição de exploração. Percepção essa, vale lembrar, que não é individual, mas sim coletiva. De tanto negarem a própria vida, com a morte do sentido do trabalho, os trabalhadores passam a reconhecer que seu processo de sobrevivência é resultado de uma luta entre o dono das forças produtivas, o dono do lucro, e eles, que produzem a mercadoria, a riqueza. "Consciência de classe" é consciência do posicionamento de um grupo na luta e classes.

Foi deste modo que a greve, nos primeiros postos de trabalho material do mundo, surgiu: do desespero dos trabalhadores diante de sua condição. E foi justamente quando os trabalhadores, já estranhando sua própria atividade de sobrevivência, perceberam que davam a vida por um lucro que nunca seria seu, que sustentavam um padrão de vida que nunca seria o seu e que sua única "propriedade", a mercadoria, tampouco seria reconhecida como resultado de seu esforço.

E hoje, o que mudou? Muitos ideólogos importantes reproduzem o discurso de que "não existem mais classes sociais", pois temos, sobretudo nas sociedades em desenvolvimento, um forte poder de consumo espalhado por bairros, faixas etárias, profissões e grupos. Pois essa é parte das ideologias contemporâneas. E é, ao mesmo tempo, o clássico modo do capitalista de dispersar o trabalhador.

Cabe aos donos do dinheiro manter algumas estruturas como: a burocracia, ou o Estado, a força coercitiva, ou as polícias, e as fábricas de ideologias, de falsas consciências, como as escolas, as universidades, as igrejas e as mídias. E tudo isso para quê? Para impedir a revolta de quem trabalha, para impedir a "consciência de classe", crítica e coletiva de quem sustenta o mundo, de fato. Pois é justamente essa revolta, esse reconhecimento de crise por parte dos trabalhadores, essa "negação da negação", que pode abalar o sistema produtivo.

Greve é para isso: para abalar o sistema, para sacudir a todos que convivem e coexistem com a injustiça, para fazer com que nossa "consciência de classe" seja pensada, repensada e reafirmada todos os dias. Para que nós façamos autocrítica e identifiquemos, em nosso próprio modo de levar a vida, o individualismo e as contradições que nos corroem.

E quanto a nós, trabalhadores da educação superior no Brasil, que não produzimos diretamente os bens primários ou secundários, por que realizamos greve? Que tipo de crise avistamos para sustentar uma greve?

Posso enumerar algumas. Talvez, esqueça de muitas:

1. Temos os mais baixos salários do funcionalismo público brasileiro; nosso piso sequer alcança a faixa de três salários mínimos. Ainda assim, boa parte da sociedade não considera nosso direito de reconhecer a crise, ou seja, nosso direito de reivindicar uma greve. Há quem diga por aí que nossa greve é "meramente política", pois eu rebateria esse boato lembrando novamente de Marx, que diz que "o poder material dominante em uma sociedade é também o poder espiritual dominante". Ou seja, das ideias dominantes. Quem tenta difamar o trabalhador e sua greve está vendo o mundo com os olhos do capital. E se nós, trabalhadores, não demonstrarmos que acreditamos em nossa greve, também estaremos reconhecendo nossa submissão à lógica de nossos patrões.

2. Lembro ainda que, desde o dia 31 de dezembro de 2010, quando a MP 520 foi editada, no último dia do governo Lula, passamos por novas ameaças de privatização dos serviços hospitalares nas unidades médicas universitárias. A MP 520 foi negada em votação no Senado, mas retomou ao cenário do Legislativo em forma de Projeto de Lei. Isso quer dizer que, para o atual governo, a única solução para o funcionamento dos HUs é a criação de uma empresa de direito privado que irá gerenciar o dinheiro público para contratar, como celetistas, os profissionais que atenderão a população. Ora, que tipo de segurança e de respaldo esse trabalhador da saúde precário terá? Por que um governo dito de esquerda quer enxugar a máquina pública e reduzir custos com contratação de pessoal? Esse não seria um posicionamento liberal?

3. Também vale recordar que, apesar dos últimos concursos, a projeção de novos estudantes que entraram nas universidades é inversamente proporcional à quantidade de servidores, tanto técnico-administrativos quanto docentes, que tomaram posse. Ou seja, não têm sido suficientes as projeções do Reuni, o programa de expansão e reestruturação das universidades brasileiras. Estamos sobrecarregados em nossas unidades, em todas as áreas ou funções. Trabalhar oito horas por dia, muitas vezes, é pouco. Tanto, que muitas unidades recorrem às gratificações e aos “projetos de extensão” para remunerar o funcionário público que faz hora extra (e que não deveria estar fazendo hora extra). Que tipo de crise está instaurada nesse processo estafante? O que será que não estamos conseguindo enxergar?

4. Não produzimos mercadoria, mas somos suporte para a formação de milhares de profissionais em todo o país. Profissionais esses que, apesar de estudarem em um sistema público, são orientados, na maioria das vezes, para conduzirem somente seus lucros e suas vidas privadas. E naturalizam a ideia de que não devem se envolver com questões coletivas, naturalizam a ideia de que não devem provocar danos ao sistema, naturalizam a ideia de que não podem questionar, falar, lutar contra o que os oprime. A contradição é que muitos se formam e não encontram emprego. E sequer conseguem entender o porquê disso. Pois, não usaram a universidade como espaço para pensar sobre isso. Estamos colaborando para formar profissionais tal qual querem as “agências de elite”: que não se sentem trabalhadores e, portanto, que reproduzirão as ideias dominantes dos proprietários de bens materiais e simbólicos. Claro que não somos os únicos responsáveis por isso (não quero aqui cair na “idola do tempo e do grupo” de que somos únicos e super-potentes), mas devemos debater esse tópico. O individualismo e a alienação do sentido da educação estão impregnados na universidade pública brasileira e uma greve é um bom motivo e uma boa ocasião para a reflexão sobre nossa própria responsabilidade, juntamente com as outras categorias.

(...)

Nossa greve é por salário, é pela dignidade no trabalho, é pelo reconhecimento da importância do técnico-administrativo, é por respeito, pela realização de mais concursos públicos e pela própria educação. Portanto, nossa greve é legítima e é política. Mas é legítima e política no sentido de que reconhecemos a crise e queremos soluções reais. Caso contrário, paramos. E paramos para lembrar aos donos do dinheiro que nem sempre e nem por tudo estamos dispostos a colaborar com o sistema.

Nossa greve, além de política, é econômica, social e simbólica. É uma greve consciente e não “partidária”, como estão a dizer. Sabemos muito bem da orientação ético-política-moral de todos os partidos brasileiros envolvidos com o movimento sindical. E sabemos também em quem votar. No entanto, não precisamos desse ou daquele grupo político, que por completa falta de autocrítica, considera-se “vanguarda” e guia das mentes proletárias. Não precisamos de “vanguarda”. Temos opinião própria, apesar de que sabemos que não vamos longe sem o coletivo. Não precisamos pertencer a feudos por vezes viciados para saber que o motivo da greve é legítimo, é um grito por libertação!

Não quero aqui desmerecer os meus colegas filiados aos partidos. Pelo contrário, quero agradecer-lhes pelo apoio, pela sinceridade em assumirem seus postos na luta de classes, pela experiência que têm de conviver com a coletividade e pelos ensinamentos da tradição. Só não posso aceitar a boataria que corre, e que até já foi reverberada em assembleia, de que há esse ou aquele partido político querendo derrubar o governo e usando a greve para isso. Não sou tão facilmente manipulável como pensam. E sei que nós trabalhadores, no plural, não somos facilmente manipuláveis. Acreditamos no coletivo, mas não queremos ver nossa "consciência de classe" subestimada.

(...)

Gostaria de finalizar denunciando a situação interna na qual nos encontramos nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), de cerceamento e restrição não somente do direito de greve, mas do direito à expressão, do direito à crítica e à manifestação de nossas opiniões. Já fui ameaçada e marcada dentro da universidade por mais de uma vez (e em mais de uma universidade), pura e simplesmente por falar o que penso. E também sei de muitos colegas que da mesma forma estão sendo azucrinados, velada ou abertamente, por outros colegas e por outras categorias que porventura se crêem “patroas”, donas da força de trabalho dos técnicos.

Faço um convite ao coletivo: vamos relatar abusos, vamos ter coragem de denunciar! Não é abaixando a cabeça para mentalidades escusas e autoritárias que seremos respeitados nas universidades e em todo o universo acadêmico. Sejamos francos, responsáveis, mas também sejamos fortes. Vamos realizar um longo debate sobre assédio moral e nos resguardar como seres humanos! Não vamos aderir à opressão! Como diria Paulo Freire, o oprimido, quando adere à opressão, não se reconhece mais, está imerso na realidade opressora. Vamos tentar, então, em nossos cotidianos, localizar quem nos oprime e a quem oprimimos, para que sejamos dignos de nossa história e de nossas lutas!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

situação



Um bilhete com ponto e vírgula. Tinha "pés de galinha" nos olhos. A fumaça inebriava. Escreveu em prosa verbos raros. Um terceiro gargalhou. Poderia ter sido somente uma conversa cheia de amenidades. Era, em verdade, um motim. A energia da terra, toda em uma situação qualquer de calor. Tempo em que ninguém se convencia. E nem mais um ser sequer amava outra condição que não fosse a de servidão. Situação anunciada em muitos livros anteriores. Vagamente, estranhamente: karma. Do futuro, somente o escuro. Pormenores a dizer. Do kòsmos ao pé do ouvido.

terça-feira, 21 de junho de 2011

registro de caminhada

Repórter é etnógrafo sem método (estou com mania de dizer), e, por isso, pseudo-etnógrafo. Não tem cuidado com as anotações, não dá ordens ao seu pensamento, não realiza levantamento bibliográfico antes de ir a campo e sequer repete as mesmas etapas de “investigação” quando se envolve em/com um tema. Por tudo isso, quando um jornalista adentra o universo científico, sente-se vulnerável. Aquela segurança do texto pré-formatado e dos acontecimentos rotineiros dá lugar aos questionamentos feitos por outrem, bem como dos conceitos cuidadosamente desenvolvidos mediante muita leitura e observação. Como tratar de especificidades estudadas ao longo de uma vida em poucos meses? Repórter, então, tem de ir buscando seus métodos, ainda que lhe custe sua cara espontaneidade dialógica, ainda que não saiba por onde começar.

Para realizar excursão – incursão – imersão ao mundo rural, recebi a ajuda organizada do professor Gabriel, que enviou-me textos e fez um “panorama” do que eu poderia encontrar nos locais por onde passaríamos Carlos, o fotógrafo, e eu. Recebi indicações prévias sobre o contexto de Itapuranga e Varjão, sobre as pessoas que me acompanhariam e seus contatos. Assumi a tarefa inicial de familiarizar-me ao trabalho e às pessoas nele envolvidas – e não foram poucas.

Tive dúvidas sobre a ordem das leituras. Para a ciência, o “levantamento bibliográfico” é costumeiramente o primeiro passo, embora a Antropologia discuta esta ordem. Resolvi seguir Cremilda Medina, uma professora que me acompanhou durante muito tempo nas aulas de técnica de reportagem. Assim, li nada antes. Foi pior para Ricardo, Marco, Juliana e Shara, meus interlocutores diretos, que tiveram de me explicar minuciosamente cada um dos termos que usavam. No entanto, melhor para meu espírito aventureiro, que se encantou com as conversas travadas e as palavras pronunciadas pelas pessoas que conheci da forma como se apresentavam, à primeira vista, sem muito crivo ou olhar crítico. Não cheguei a esvaziar-me, pois isto é impossível para todo ser humano, porém, me abri para receber o mundo novo. E o recebi com o prazer do requeijão com doce de limão e da salada de frutas frescas retiradas do pé.

Usei três meios físicos de anotação diferentes. Um para as indicações iniciais do professor Gabriel e também para as discussões do seminário sobre “o mundo da agricultura familiar em Goiás”; outro para as viagens e as conversas em campo; mais um terceiro para as ideias esparsas que poderiam surgir na mente. Isso não foi intencional. Quando vi, já tinha estabelecido essa ordem. Aconteceu, contudo, que o primeiro e o terceiro, algumas vezes, foram trocados. O que me deu certo trabalho na hora de transcrevê-los (e compreender o que estava escrito).

Em alguns momentos vi nexos entre este trabalho e outro que eu estava fazendo com a professora Maria Clorinda, da Escola de Veterinária, coordenadora do projeto de implantação e manutenção do gado curraleiro junto ao povo Calunga. Isso foi trabalhoso de desvincular. Tudo era campo, tudo era forma de sobreviver, tudo era busca por autonomia na produção. E agora? Para completar, anotei tudo nos mesmos cadernos. Outra dificuldade.

Depois das viagens, passei a ler os textos e a maturá-los. Além dos recomendados pelo professor Gabriel, busquei ler também o que havia narrado o primeiro integrante do projeto de Itapuranga: professor Joel. Encontrei duas produções dele nos arquivos da própria UFG. Um que explicava sobre a Agroecologia, este campo multidisciplinar, e outro que tratava da fruticultura em Itapuranga.

No meio do caminho, encontrei Marcelo Mendonça, professor do curso de Geografia do campus de Catalão, com seu conceito de “povo cerradeiro” e seu relato de experiência também com a Agroecologia e com a troca de sementes crioulas. Em linhas muito gerais, vi o “povo cerradeiro”, esse grupo de pessoas que resiste à própria expropriação e “re-existe” no mundo rural (por meio da associação em movimentos), tanto nas pequenas propriedades de Itapuranga como no assentamento Palmares, em Varjão. Mais uma vez, temi misturar os assuntos. Até que um dia entrevistei Marcelo, na Escola de Agronomia. Um alívio foi quando ele próprio autorizou-me a fazer articulação entre os estudos e os projetos. Notei, aliás, que ele talvez não quisesse ser mencionado pela seção “cultura”, sim pela seção “produção”.

Até o dia do seminário sobre “o mundo da agricultura familiar em Goiás”, rascunhei textos, mas não os encaminhei para a revisão – como havia prometido para tanta gente, inclusive a própria revisora. Depois de assistir a um dia de debates na EA e gravar quase todas as falas, voltei para casa, cansada, cheia de dúvidas.

Como resumir? – essa era a dúvida principal.

A essa altura, já estava encurralada pela editora da Revista UFG Afirmativa, que previa pouco mais de 20 dias para o fechamento do material e conhece bem o meu tempo demorado de produção e maturação dos textos. Fiz, então, um resumo de todas as reportagens que estava fazendo ao mesmo tempo. Era uma forma de dizer como eu estava produzindo. Fiquei um pouco preocupada, pois minhas andanças pela UFG, em um mês, me renderam sete abordagens diferentes para o grande e generalista assunto do Cerrado. Além da produção de alimentos, ainda havia de me preocupar com as festas populares, as identidades do povo goiano, os calunga, os avá-canoeiro, a congada, as descrições da literatura local, o sudoeste goiano etc.

Transcrevi fitas, reli textos de Gabriel, Marcelo, respectivos orientandos, e de Joel. Li outros novos, como de Paulo Freire (este antigo companheiro de dissertação), Jacques Chonchol (apresentado por Paulo Freire), Zander Navarro (encontrei no Scielo), José de Souza Martins (um senhor que me desperta muita admiração e que tive a honra de entrevistar em 2010), Antônio Teixeira Neto (localizado no Observatório Geográfico de Goiás), Eguimar Felício etc. Também, acessei o site do Movimento Camponês Popular (MCP), indicação de um dos entrevistados, e tive acesso a outros tantos documentos e estatísticas referentes ao agronegócio. Algo assim que, para aproveitar, tive de buscar na própria fonte como o Sindicato das Indústrias de Agrotóxico (Sindag), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Agência Nacional de Saúde (Anvisa). E mais uma vez passei a remoer.

Quando falo remoer, me refiro à ação de, todos os dias, dormir e acordar pensando em determinado tema: Como fazer? O que escrever? Como começar? Como não ser leviana? Como ser o mais fiel possível àquele universo que não é meu? Remoí por mais de 15 dias e ainda estou a fazê-lo, ainda que meu prazo esteja mais do que vencido. Graças à greve da minha categoria ganhei uma prorrogação no tempo. Penso, contudo, que esta não deve tardar.

Foi, então, que comecei a escrever a reportagem de várias formas. Pensei em frases, descrições de ambientes, partes extraídas dos textos, associações de ideias, conceitos, contextos históricos e políticos, até poemas. Encontrei um comentário do professor Joel que passou a ser uma das chaves fundamentais: “As experiências humanas não podem ser desperdiçadas”. Passei a pensar no campo como este lugar do trajeto, do reconhecimento e do recomeço. Eternamente. “Entranhamente”.

Ainda não pude dar fim a esse processo produtivo, muito embora possa sentir que isso está mais perto do que esteve ontem. Ainda não sei onde vou parar, sendo sincera. Mas, queria registrar a forma como venho produzindo, pois tenho descoberto que o caminho, de fato, não é resultado, não é fórmula com lead e sublead pronta na mente, mas sim a marca da própria caminhada. Como diria o poeta, “se faz ao andar”. Mais do que isso, preciso lembrar o meu próprio caminho, para que depois possa sentir os pingos de suor desta labuta-reportagem-ciência que está cada dia mais complexa, pois mais instigante.

sábado, 18 de junho de 2011

los perros


Conversa interessante é sobre cachorros. Seus pelos sempre são macios e seu olhar desenvolve no outro, quase que automaticamente, meiguice e confiança. Eles são seres superiores, estão sempre dispostos a perdoar. Isso é amor de verdade. Na escala evolutiva das almas, sobrepõem-se até à vaca. Mas, há experiências que nem Skinner gostaria de ter feito. Algo mais do que jogar a bola azul na grama verde. E então esses seres superiores tornam-se também raivosos. Há casos. Podem, ainda, nascer fluorescentes, como o Super Homem, cheios de traumas e produtos tóxicos correndo junto ao sangue. Dependentes de tecnologia. De modo que, por favor, não deixe um animal como o cão nas mãos dos humanos! Isso pode ser fatal à doçura do bicho. Perros, pelas ruas, pelos becos, deitados aos pés das pessoas, desapercebidos, vão melhor. Quando respeitados, independem até da carne de lata. Seu cheiro é de vida. Rolam na terra quando voltam do pet shop. São, sim, superiores!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

pensamento

Caderno azul para as ideias referentes aos estudos. Bloquinho branco com amarelo para as ideias referentes ao trabalho. Mas, o trabalho está parado. Mas, os estudos também. Mas, o trabalho e o estudo somam-se quando uso instrumentos da reportagem na dissertação e vice-versa. Autores que se complementam, muito embora já me alertaram para a diferença das linguagens. Mas, estudo e trabalho são tão penosos e tão prazerosos. Mas, campo e cidade têm, da mesma forma, a mesma conexão. E se não fosse eu uma pseudo-etnógrafa sem método? Ou, melhor dizendo, e se não fosse eu repórter? Teria necessidade de dois cadernos para abrir e fechar em tempos diferentes? Por que, cada vez mais, quero fazer ciência-reportagem e monografia-superfície? Uma confusão de pensamento que quando é fé tem um projeto de pesquisa semi-estruturado em pura ansiedade. E uma notícia pelas metades. E vários relatos de experiência sem transcrição. Do que desistirei primeiro: do singular ou do particular? E agora, "meudeus", é greve!

domingo, 12 de junho de 2011

das surpresas

Em 2006, pela primeira vez na vida, depois de 2 anos de formada, uma especialização recém-encerrada e muitas ilusões, entrei em uma sala de aula. Virei professora, quase que por acidente. Não sabia o que pensar e sequer como agir. Mas, assumi aquela postura da maioria fraca e inexperiente: tentei ser séria e me sentir superior. Não deu certo, claro. Logo nos primeiros encontros com a turma, vários foram os estudantes que me desmontaram. Entre eles, Cristiane e Amabile. A primeira me levou para o Bar do Laranja. A segunda, tirou alguma onda me chamando de "tia" e ainda gritou: meu nome não tem acento!

A Cris me cativou desde o início, com sua calma e sensibilidade. Muito rapidamente tornou-se a melhor companhia que eu poderia ter naquela cidade de gaúchos expatriados. Dividimos livros, discos, filmes e referências sobre o Pequeno Príncipe. Passeamos por Porto Velho e até pelo Rio de Janeiro! Ela foi embora para Cuiabá um ano depois, salvo engano. Mas, voltou a Vilhena algumas vezes e nunca deixamos de dividir as angústias sobre os namorados malfadados ou os problemas de família. Muitas vezes eu prometi que a visitaria, nunca fui.

Já com a Amabile foi terror à primeira vista. Ela falava alto e sempre soltava alguma frase indevida. Quando não passava vergonha em mim, criava caso com outra pessoa. No início, interpretei suas atitudes como prepotentes. Depois vi que era pura sinceridade. Me equivoquei: aquela falastrona toda não segurava a própria espontaneidade. Menina durona, menina doce. Enfim, menina. Não saiu mais da minha casa e foi a única a levar o projeto da rádio na escola a sério e até o fim. Certa vez, em 2008, na Bolívia, tivemos uma briga tão feia que ela chorou muito, arrumou a mala e simplesmente foi embora. Pedi desculpas de forma descrente. Até hoje ela diz: "você é chata, mas...". Não guarda sequer os próprios segredos. Tem o coração mais apto a perdoar que já conheci.

Vim embora de Rondônia há pouco mais de dois anos. Pensei que nunca mais veria Cris, Amabile ou quem fosse. Muitas vezes supus, aliás, que apesar de ter gostado de muita gente que vive ou viveu naquele estado, seriam todos, sim, ex-colegas, ex-amigos, ex-conhecidos ou ex-qualquer outra coisa. O trauma me impediu de manter vínculos, mas é claro que essa austeridade não durou muito tempo. E se sequer controlei a sala de aula, imagina se iria fazer isso com a vida?!

No início deste ano, combinamos de ir a Cuiabá. O "motivo" era um congresso da Comunicação que teria no mês de junho. Deu certo, apesar de a Cris até o último momento duvidar que eu iria - com toda razão. E quando as reencontrei, naquele pátio da UFMT, esvaziado pela greve, parecia que nunca havíamos deixado uma a rotina da outra. Estávamos Cris e eu, novamente, dividindo as dores; estávamos Amabile e eu, num repente, trocando carinhosas farpas; estávamos as três falando, falando, falando mil coisas ao mesmo tempo. E ouvindo, é claro.

Engraçado como foi notar a cumplicidade. Isso não tiramos da instituição escolar, infelizmente, mas sim da vida. Na hora de partir, deixando minha alma em Cuiabá, foi que senti em dois abraços o sentimento de amizade. Ex-alunas? Não. Sempre foram, sim, amigas. Obrigada, queridas, pelo reencontro!

o que é intelectual?

N'outro dia, apresentei trabalho em um congresso e usei a expressão "intelectuais de um campo". Na hora dos comentários, alguém considerou que eu estava falando de uma "elite" e, pior, que me inseri nesta elite. Isso me incomodou. E pensei se não deveria ter explicado melhor a que me referia.

N'outra ocasião, ao assistir a um debate sobre "pesquisa empírica" estabelecido entre três professores, percebi que o discurso deles caminhava 300 anos atrás e se revestia de "rigor" e "neutralidade". A Comunicação agora está querendo ser "ciência dura"? E para quê? Perguntei aos três se a minha impressão estava "correta". Eles me contaram toda a história do Positivismo, mas em nenhum momento disseram "sim" ou "não".

Pois é.

Diante desses ocorridos, é preciso demarcar que quando leio "intelectual" não entendo "gente que usa o intelecto" (afinal de contas todo ser humano faz isso o tempo todo, em todas as atividades e mediações) e nem entendo "pessoa que integra a comunidade acadêmica e que ensaia pesquisas". Entendo, sim, "criador, organizador e disseminador da cultura", das ideias que formulam visões de mundo, hegemônicas ou não, como definiu Antonio Gramsci. Então quando leio "intelectual" não entendo um ser superior e/ou privilegiado, mas sim um ser social que está rente na "batalha de ideias".

Essa diferença tem de ser destacada pois deve estar claro o posicionamento político desse trabalhador - o "intelectual". Basta de neutralidade!

sábado, 28 de maio de 2011

hoje é dia de poesia: quem levar?

Um pensamento:

Patrícia Galvão, José Paulo Paes, Mário Benedetti, Carlos Drummond de Andrade, Abel Silva. Ela e eles vêm me acompanhando há algum tempo, repetitivamente. Quando tem sarau no Shangri-lá ou quando a "gonorância (im)produções" se encontra num repente, estou lá com os mesmos amigos e os versos de sempre. Passo vergonha, apesar de serem tarimbados. Queria variar!

(...)

Impossível foi esse meu desejo matutino de sábado, quando encontrei um depoimento de Abel Silva dado a Carlos Didier. E me deparei com sua prosa documental...


Tive na faculdade uma colega linda, tremenda morena, mas que era triste. Me lembra Machado: “Se bela, por que triste? Se triste, por que bela?”. Eu achava aquela tristeza um mistério. Eu pensava também em Sartre. Eu vivia com a cabeça cheia de Sartre. E pensava: se “o corpo é o destino”, ela nasceu para a alegria; no entanto, é esta sombra. Então, numa festinha de violão e tal, na casa dela, conheci a mãe da minha colega e vi que era a tristeza em pessoa. Eu pensei: ai de quem tem mãe triste.


... com suas reflexões sobre a poesia...


Existe uma poesia do olho e uma poesia do ouvido. Claro que há diferença entre letra de música e poesia de livro. Quando estou a fim de publicar livro, boto algumas letras. Jura Secreta, por exemplo. Festa do Interior, não. Porque é estritamente para ser ouvida e dançada. Jura Secreta tem versos para serem lidos e ouvidos.


... e o próprio método...


Tem a canção da madrugada, das três horas da manhã. De repente, você acorda e aquela solidão total. Uma sirene toca longe... Há uma lucidez, um perigo às três horas da manhã. Você pode ser surpreendido, de repente, em pleno sono por uma premonição, e isso pode ser um verso, uma canção, e lá vai o sono embora.


... ou sobre a "ideologia do viver"...


A questão não é rir por último
nem muito menos antes:
A questão é rir durante.


... ainda, com a mais conhecida definição de nós mesmos:


Só uma palavra me devora
aquela que o meu coração não diz


Hoje é dia de poesia com Abel Silva, mais uma vez!

sábado, 21 de maio de 2011

percepção em oito tempos

era para o mundo acabar, mas eu estava num palquinho de madeira, debaixo de uma tenda de circo, lá na pracinha da rua mil e treze, no setor pedro ludovico. a meninada da vizinhança acompanhava tudo de perto. repetia a contagem dos passos. seguia as respirações com palmas. a lu falava segurando um megafone, brava, nervosa, como todo diretor cênico parece fazer em dia de ensaio geral. e rodopiávamos de improviso, com medo de cair, pensando sobre como seria no dia da apresentação. algumas pessoas estavam bem mais seguras que outras, é claro. não almocei, pedalei 40 minutos para chegar nesse lugar. tardei horas pensando na flor azul que iria na cabeça. pintei as unhas de vermelho. e todo aquele frio-quente interior de quem faz uma atividade pela primeira vez. algo tão desafiador quanto uma paixão recente. que me faz perceber como é bom ser experimentadora de vida, aprendiz de gente, estudante de movimentos, investigadora de sensações, testadora de corpos. curiosidade que me aplaca, enfim, é por essa tal de "autonomia do sujeito, no mundo e com o mundo". que ora está no livro, ora está na dança; que ora é da concentração individual, ora é da conspiração coletiva; que ora falta em mim, ora vem desde criança. obrigada, lu, por esse despertar!



sexta-feira, 13 de maio de 2011

pedagogia do terror em 22 atos

O manual que segue foi elaborado depois de 26 meses de observação-participante dentro de um programa de pós-graduação em Comunicação. Foi possível realizar um diagnóstico a partir do procedimento da indução. Contribuíram alguns colegas, com seus relatos.


PEDAGOGIA DO TERROR EM 22 ATOS


COMUNICADO: Algo aconteceu naquele reino de quinquilharias que me fez rever o olhar. Portanto, terei de refazer esse texto. Um dia o retomo!

(...)

22. Fique tranquilo, sempre haverá outro colega para lhe defender, lembre-se que sua categoria é a parte forte do esquema 70-15-15 da universidade pública brasileira.

sábado, 23 de abril de 2011

momento


por alguns minutos parei
a única nuvem escura passou.
tive ideias inconclusas.
o tom de azul deixou-me estarrecida,
encantada,
pensando em quê?
(suspiros)
o céu!
puf! - sumiu
piscadela
muito a (se) fazer

segunda-feira, 28 de março de 2011

estudar é...

Não atualizo meu currículo. Não sou "expert". Não tenho que me gabar. Sequer vejo um grande futuro pela frente. Nem tanto por falta de oportunidade, mas mais porque passei a negá-lo. Uma questão meramente teórica e conceitual, de "visão de mundo" e de escolha diante de uma "sociedade em disputa", como diria um revolucionário por aí. Logo, não me sinto apta a opinar sobre certos "mistérios" que andam a circular.

No entanto, por ser extremamente passional e por ter vivido intensa e atabalhoadamente cada uma das sete disciplinas que cursei no mestrado, posso dizer de outras impressões. Posso comentar sobre algo que é particular e tem a ver com o que não se explica.

De modo que:

Estudar faz o seu cabelo cair. As células de todo o seu corpo se movem mais lentamente, mais rapidamente, em qualquer direção, com qualquer velocidade, e você fica totalmente sem controle sobre suas sinapses nervosas. Estudar faz suas vísceras se irritarem, suas unhas quebrarem, seus ossos da clavícula ficarem mais pontudos do que o normal, porque sua fome foi embora há muito tempo. Estudar faz você não só querer trocar de roupa, mas se despir totalmente. Faz você perder as ilusões, destruir sonhos, descobrir que nunca pensou com suas próprias ideias. Estudar também é duvidar das garantias, das representações e do seu próprio futuro. Estudar, às vezes, faz você não querer estudar. "Ai, que prazer, ter um livro pra ler e não o fazer", escreveu Fernando Pessoa. Estudar é isso: lhe leva a fugir, fugir completamente, de si, dos livros, da vida e do mundo. Mas, essa ação também lhe traz de volta. Com um tapa na cara! Faz você se isolar, naturalmente. E lhe dá, de repente, um grito rouco e seco na garganta para toda a multidão. Estudar é mergulhar para o fundo, pensando que é a superfície. Lhe faz montar muitas vezes o mesmo quebra-cabeças sem localizar a peça fundamental. Escrever, apagar, escrever, apagar... Estudar requer edição zero, limitação zero, mas você já está cansada demais pra ser criativa. Estudar faz você falar sozinha na rua, desejar o autor que lê, querer xingar e até bater em outro autor que leu antes. Tira a poesia da sua vida, devolve, tira de novo. Sono profundo, acordar eterno. Estudar faz você querer falar menos, apesar dos ímpetos que ainda lhe restam. Faz você respeitar mais os outros, ainda que isso também seja um gesto egocêntrico. Faz também você pedir desculpas para a metade do mundo por essa sua arrogância irracional que insiste em brotar todas as madrugadas. Estudar faz você tanto melhor como pior. E lhe lembra que tudo é questão de escolha. E que nada tem fim. A atividade intelectual (e não digo a atividade realizada somente dentro do lócus da intelectualidade) é paixão: não pelo que regem as normas dos órgãos financiadores de pesquisa; mas sim pelo que lhe desafia, pelo que não é possível de ser resolvido, pelo desconhecido; pela classe social que "não existe mais", pela teoria "superada", pela "ideologia", pela revolução que não será "televisionada", tuitada, assessorada, enfim, mediatizada. Estudar requer, sim, dedicação exclusiva e muito da vida pessoal. É levar muito mais "não" do que "sim". Puro paradoxo. Temos todos de estar preparados para isso. Acho que nunca estarei.

sábado, 26 de março de 2011

lê que passa

Ia escrever um texto enorme, para liberar um sentimento com relação ao passado. Era algo que queria dizer. Já no quinto parágrafo resolvi ler o que havia rabiscado. Aí a vontade passou. E eu fui dormir.

Apaguei tudo.

quarta-feira, 23 de março de 2011

ar e barriga d'água

lembrei-me de ti,



"As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro

Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo."


As lentas nuvens fazem sono
Fernando Pessoa


um abraço!

terça-feira, 22 de março de 2011

correspondência virtual

Família Microsoft System Center apresenta:
curso sobre como usar ferramentas
para depois pagar caro por elas
todos os direitos reservados
(ao dono)

Inscrição: 1Kg de alimento não perecível
Será doado para o lar dos velhinhos de Campinas
(para onde você vai amanhã, se estiver com sorte)
Piada pronta.

segunda-feira, 14 de março de 2011

julinho, eu te amo

Cena de novela: frustração zero. O mocinho, em fase de resolução interna, assume seu velho sentimento. E, em meio à plateia da festa de casamento, grita: “Julinho, eu te amo!”. As damas de honra, todas moças, vestidas de rosa, congelam suas feições, boquiabertas e um tanto desanimadas.

O Julinho - snif - fragilizado, emocionado, que outrora odiava esse ser um tanto dúbio e inseguro, sorri docemente e o abraça. Somente o abraça, pois a tevê sessentona ainda não arrisca um beijo entre pessoas do mesmo sexo. Ou arrisca? Não sei, mas o casal gatíssimo que protagonizou essa cena não se beijou, não se apertou, não chorou, apenas se abraçou. Como fraternos irmãos.

Não fossem dois homens, seriam Julinho e “Julinho, eu te amo” os típicos protagonistas daqueles folhetins do século XIX, estilo Helena. Claro, eles têm o essencial para um desfecho de novela: a confiança da declaração de amor. A pessoa diz o que sente, sem medo de levar um fora, e corre para o beijo – ooops! – para o abraço!

Eu, estendida no sofá, semimorta, depois de um dia duro de trampo, sessão de psicanálise e muitos quilômetros no pedal, só queria aquele momento. Para rir.

Ah, gente, é claro que tentei fazer isso (“fulano, eu te amo!”) algumas vezes na minha vida, né? E é óbvio que quebrei a cara. Seres humanos de carne e osso dão tanto azar com esse tipo de iniciativa que sempre se declaram para a pessoa errada. Conta um caso diferente que eu digo: aconteceu, mas na novela!


ps.: Não vê novela? Vê só o clichê que está perdendo!

domingo, 13 de março de 2011

depois de dois anos...

... estudando um dos mitos da comunicação - a possibilidade de formar "sujeitos históricos" por meio do uso das mídias (faz-se a luz!) na educação - percebo que o problema da crítica é:

a) crítica, enquanto práxis, ação do ser diante do todo social, quanto mais se reproduz, mantendo-se crítica, mais torna-se cultura exata e total; mais é positiva para a negatividade que a contém.

b) crítica, enquanto negação, quando feita sob métodos, menos se nega, de fato; mais é repetição de um modo outrora contestatório e agora já incorporado.

c) crítica, enquanto ação comunicativa, então, essa sim já é resultado do embalsamado em seu lugar social: esvaziada, fazendo efeito.

d) crítica, enquanto exigência de formação, também é performance. aliás, é mais performance do que desempenho. é a inteligência manifesta: aquela deformada pela conformação.

e) crítica, enquanto objetivo, é saber de si em pequenas ilusões; é efetivar o tipo do "intelectual" novo, subalterno, que dificilmente enxerga além de seu bloco histórico (ou seja, todos nós).

dúvidas: se a visão da crítica e dos seus "efeitos" é negativa, o que se há de fazer? abandoná-la, ainda que inexista? ou mantê-la sempre a partir do benefício da dúvida?


(hum, pensei alto... bloquinho de notas. academicismo barato. precisava desabafar e nada mais. pode esquecer!)

no ar



terra
de ampulheta quebrada
escorre por entre dedos
azul levemente sal
revela que tudo
é dito
ainda que não
existam palavras

adequadamente
o que se tenta
é intento
sem forma, sem jeito
sonho, berro ou engano

cacos nas palmas
o tempo passou
ampulheta quebrada
corte e cicatriz
dor é tão seca
azul docemente
mente
sem fim

estancada: pequena loucura
é tempestade
em copo de pinga
é nada que ocorre
a não ser em seus sonhos
vagos, temerosos
azul de amargura
a vida que cuida