quinta-feira, 22 de abril de 2010

comunicação

- E aí, menina, o que você vai fazer da vida?
- Não sei.
- Como não sabe? Tem que saber! Eu sempre soube o que fazer, sempre mirei lá na frente...
- Pois é. Mas eu estou cansada disso, de ter de saber, ter de fingir, não poder demonstrar minhas fragilidades... Não quero voltar a fazer o de antes, da forma como fazia, não quero viver em um mundo doente onde as pessoas se acusam o tempo todo, não se respeitam.
- Não, chega! Para de reclamar! Essa vida efêmera traz muita angústia, muito desgaste, você tem que sossegar. Vai fazer acupuntura!

(...)

E os conselhos se delongaram. Eu agradeci e até achei interessante aquela mulher experiente, educadora, carinhosa, mais velha, uma "mãezona", dando palpites em minha vida. Eu mesma permiti, quando chorei em sua frente, um ano atrás. Me expus, acabou.

A relação entre nós tem sido difícil, daquelas se que constroem nas sutilezas do aprendizado bruto. O aprendizado da alma, da tolerância, do mirar(se) no outro. E ela seguiu falando, as conjunturas, as conjecturas, os imperativos, o que dá certo e o que não dá, a mecanização, a criação, a tecnologia, as modas, as superações, as aflições.

(...)

Outro dia me perguntou por que eu não queria ser mãe. "Porque ainda quero lavar pratos na Argentina", disse. "Isso é egoísmo, menina", me respondeu.

- E se eu quiser só passar pela vida?
- Não pode!

Me contou sobre seu casamento, sua trajetória, sua perseverança, encurralando-me novamente: o que fazer da vida?

(...)

Sim, a admiro, dentro de nossas possibilidades. Mas tem ficado cada dia mais difícil conviver com alguém tão diferente. Diferente em sonhos, sensibilidades, anseios e visões de mundo. Eu a considero "quadrada", ela me considera "efêmera". Com a diferença que ela se sente livre para apontar, falar, corrigir. Eu não. E será que ela se incomoda comigo como eu me incomodo com ela? Não sei. Só sei que ela me faz aprender cada dia mais. Não porque seja doutora ou porque seja experiente no que estuda (ou pelo menos tenta ser). Mas sim pelo exercício de escutar, aceitar a refuta, respirar fundo, pensar duas vezes antes de falar.

Não sabia que uma relação educadora-educanda mexeria tanto comigo (ou conosco?). Mas tem mexido. "Um se por no lugar do outro", como diria Paulo Freire? Não sei. Não sei se a comunicação da Comunicação tolera isso, realmente, quando reproduz comportamentos totalitários, intolerantes, convencidos, narcisistas. E será que não são assim os meus? O que posso aprender com o igual que, na verdade, é diferente (e vice-versa)? Que avaliações preciso fazer para não referendar minhas próprias críticas ao outro e a mim mesma?

Como ser tolerante quando se enxerga um mundo que também não é tolerante, que te condena, que não aceita suas fraquezas, que impõe reações frias disfarçadas de calmaria? "Toda invasão sugere, obviamente, um sujeito que invade". E por que ele invade? O que lhe incomoda para invadir? O que almeja para invadir? E de que forma se manifesta essa invasão? Falar o que se entende implica em invadir? Falar repetidamente? Usar-se como exemplo? Comunicar de forma persuasiva uma forma de pensamento, reação e olhar o mundo? Se por no mundo diante do exemplo do outro? Ou de si mesmo?