quinta-feira, 22 de julho de 2010

vamos dar uma voltinha?


Estamos certos do que somos.
Por essência: críticos.
E ponto. Isso é muito evidente.


Com tantas certezas, chega a dureza.
E julgamos, embrutecidos.


Quando olhar para dentro é o que dói tanto...


Então o despertador toca
e nos lembramos...
Hoje é dia!


De autocrítica.



Imagens: René Magritte.

terça-feira, 20 de julho de 2010

UFG: 1964 a 1973

Nota preliminar: As versões oficiais desta matéria podem ser lidas em Jornal UFG ou em Jornal UFG on line





Reforma universitária, modernização e silêncio

Entre as décadas de 1960 e 1970, a UFG passou pela etapa da consolidação, tanto física quanto estrutural. Contudo, ao mesmo tempo em que crescia, também era desaparelhada. O Câmpus Samambaia nasce nesse contexto


Em oito de maio de 1964, uma portaria assinada pelo professor Colemar Natal e Silva, então reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), afastava do cargo o professor Gabriel Roriz, diretor da Escola de Engenharia. Gabriel, dias antes, emitiu ofício ao reitor repudiando a Portaria n° 61/64, da Presidência da República, que demitia três outros docentes do curso. Ele não apenas deixou de cumprir a ordem vinda de cima, como também ordenou que Marcelo Cunha Moraes, Paulo Emílio Fogaça e Rodolfo José da Costa e Silva continuassem em classe. Ainda, pediu que tamanha decisão fosse tomada pelo Conselho Universitário, criado em 1961, e não por um decreto. Na sequência dos fatos, nova portaria restituiu o cargo do professor, sem explicações.

O caso de Gabriel Roriz é um entre muitos. No mesmo ano em que o Exército instaurou, por meio de golpe, a regência militar no país, grande parte dos atos decisórios da UFG, publicados em boletins internos, diziam respeito a: redução de quadro de pessoal, demissão “por justa causa”, afastamento de funcionários, abertura de comissão de sindicância, entre outras medidas disciplinares. E assim ocorreu até meados de 1970.


Quem auxiliou a reportagem do Jornal UFG na localização dessas portarias foi o servidor técnico-administrativo aposentado Armando Honório da Silva. Admitido em 1967, lembra-se bem dos dilemas de Colemar Natal. Ainda que o reitor assinasse todos os termos, “no uso de suas atribuições legais”, o servidor garante que ele o fazia contrariado. “Tanto é que foi afastado logo em seguida”, justifica.


De todo modo, Colemar Natal e seus dois sucessores, Jerônimo Geraldo de Queiroz e Farnese Dias Maciel Neto, cada um a seu modo, em maior ou menor grau, com mais ou menos consequências, foram porta-vozes dos generais em um projeto que, de 1964 a 1973, alavancou o crescimento das universidades recém-criadas, mas também retirou de cena a orientação humanista e política do ensino superior brasileiro. Ainda, eliminou dessa conjuntura de construção coletiva a participação de lideranças que, conforme apontamos nas edições anteriores (Jornal UFG de maio, nº 36, e de junho, nº 37), foram essenciais para a criação dessas jovens instituições.


A estratégia, para tanto, tinha dupla face: investir e reprimir. Foi na década de 1960, por exemplo, que nasceu a Escola de Agronomia e Veterinária, na Fazenda Samambaia, o Planetário, com seu maquinário alemão de ponta, a Rádio Universitária, pioneira no Brasil, o embrião do Sistema de Bibliotecas e boa parte dos cursos da UFG, como Jornalismo, Química, Geografia, História, Letras, Matemática etc. Por outro lado, dispositivos legais como o Decreto nº 477, de 1969, conhecido como “Lei Suplicy”, estreitavam o cerco contra as opiniões divergentes e previam severas punições contra questionamentos feitos no âmbito do espaço acadêmico.


Como bem definiu a professora Célia Maria Ribeiro, aposentada do curso de Ciências Sociais, em artigo publicado na revista UFG Afirmativa (nº 3, de setembro de 2009, páginas 48-50, disponível em www.ufg.br), o período foi de “continuidade na descontinuidade”. Continuidade no projeto desenvolvimentista iniciado nos anos Kubitscheck, que tinha como uma das bases o investimento no saber técnico-científico; descontinuidade no processo de mobilização popular e estudantil que vinha sendo consolidado ao longo da década anterior.


Política da neutralidade


Em 1962 a UFG realizou seu primeiro seminário de planejamento, de onde saiu a proposta de construção da Cidade Universitária. Esta seria organizada em institutos que teriam, por sua vez, um sistema de créditos articulado entre cursos de áreas afins. Foi definida a criação dos institutos de Matemática e Física (IMF), Industrialização Farmacêutica e Bioquímica (IIFB), Ciências Humanas e Letras (ICHL), Biologia (ICB), Pesquisas Sociais e Políticas (IPSP), além do Centro de Estudos Brasileiros (CEB). Acreditava-se que a Cidade Universitária, juntamente com o sistema de créditos, uniria estudantes e professores.


Quando da reforma universitária de 1968, proposta em âmbito nacional e executada pelo reitor Jerônimo Geraldo de Queiroz, o esqueleto do projeto foi conservado, contudo, sem a presença, no núcleo curricular básico das graduações, de disciplinas como Sociologia Política ou Teoria Econômica. Além disso, o IPSP e o CEB nunca chegaram a entrar, de fato, no rol dos institutos.


O CEB foi criado em 1962 por sugestão de Darci Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília (UnB), e do filósofo português Antônio da Silva, chegou a funcionar regularmente, com os cursos de Estudos Brasileiros e Literatura de Goiás, e a publicar uma edição dos Cadernos de Estudos Brasileiros, além de realizar uma exposição internacional de livros. Entretanto, encarado como uma extensão do Instituto Social de Estudos Brasileiros (ISEB), o CEB foi fechado em outubro 1964, depois da publicação do Ato Institucional nº 1. Gilberto Mendonça Teles, seu diretor, e Bernardo Élis, seu vice-diretor, considerados “comunistas”, foram imediatamente afastados da UFG.


A derradeira ação da “reforma universitária” foi a transferência dos institutos para o Câmpus Samambaia, que inicia suas obras em 1971, já no reitorado de Farnese Dias Maciel Neto. Estudada nos mínimos detalhes, a construção da Cidade Universitária nas imediações da fazenda onde funcionava a Escola de Agronomia e Veterinária (EAV) foi consagrada como um advento oportuno e tecnicamente perfeito, uma vez que, com o crescimento urbano, não seria viável que a UFG permanecesse espalhada pelo centro de Goiânia. Contudo, a professora aposentada Célia Maria Ribeiro lembra, em seu artigo, da atrofia democrática que esse afastamento representou: “Servia também para sufocar”.

A breve história do 4º Poder

Em 1962, o parque gráfico da UFG foi inaugurado e, com ele, o jornal 4º Poder. Por pouco mais de um ano, a publicação mensal ganhou leitores em toda Goiânia, tratando de temas como transporte coletivo, movimento sindical e reforma agrária. Em 24 de fevereiro de 1964, por exemplo, uma matéria publicada com o título “O que é latifúndio” explicava, de forma didática, as consequências de haver grandes propriedades de terra no país. Internamente, buscava problematizar. Questões delicadas para a administração, como a crise financeira que quase levou o Hospital das Clínicas ao fechamento, também apareciam, conforme revela a manchete de 30 de junho de 1963: “Corte no orçamento da jovem universidade em 78%”.

Na transição turbulenta de João Goulart para Humberto Castelo Branco, o 4º Poder tentou manter-se imparcial – ainda que não fosse possível. A edição de três de maio de 1964 trouxe análises jurídicas sobre o golpe militar, que o jornal preferiu chamar de “revolução”. Os juristas entrevistados, Miguel Reale, Vicente Rao e Basileu Garcia, além do professor Carlos Medeiros Silva, foram unânimes em considerar “legítima” a tomada do poder em 31 de março. Somando-se a isso, estava uma matéria completa sobre a vida e a carreira de Castelo Branco, para que o leitor conhecesse seu novo regente.

A equipe do jornal 4º Poder tinha planos: se possível, transformaria suas edições mensais em diárias. Não adiantou. Há indícios de que essa tenha sido a última edição da publicação. No lugar, a imprensa oficial da UFG passou a editar uma revista científica, com artigos produzidos pelos mestres da instituição. O 4º Poder sequer foi conservado. Muitas edições se perderam e, na década de 1980, foi encontrado pela professora Célia Maria Ribeiro, aos montes, jogado debaixo das escadas do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). As edições mencionadas nesta reportagem foram cedidas pelo Arquivo Histórico do Estado de Goiás.


No jornal Cinco de Março, UFG é anúncio publicitário


Em 1968, a UFG estava no jornal. Não como cenário retratado, palco de um debate inflamado entre os estudantes de Direito e seus professores, conforme se acostumou a ver em outras latitudes, mas sim nos moldes de anúncio publicitário. Em algumas edições do emblemático Cinco de Março, encontradas no Arquivo Histórico do Estado de Goiás e referentes a esse período, está impressa, no canto de alguma página central, a pequena “colmeia” inscrita em uma figura piramidal que lembra um “foguete”, o antigo símbolo da instituição. Além disso, eram notícia as moças dos cursos de Artes ou de Letras, com seus poemas bucólicos e saudosistas, ou os “homens cultos de Goiás”, comentados nas colunas de Geraldo Vale.

Cinco de Março
, a propósito, surgiu depois de um motim estudantil em 1959, com a promessa de ser um jornal militante. No intermédio 60-70, contudo, os exemplares do periódico revelam uma contradição bastante comum na história da imprensa brasileira: em 1968, preso Batista Custódio, seu maior representante; “um grito de silêncio” escancarado no quadrado branco no centro da capa; protesto em forma de poema assinado por Brasigóis Felício e, na sequência, uma série de anúncios de empresas ligadas ao governo do estado, como Caixego e CELG.

Em ano de copa do mundo e de conquista do tricampeonato, não se sabe ao certo se porque o Estado era coercitivo ou porque também investia, a edição de 22 de junho de 1970 agradecia ao então presidente Médici: “Um viva a Garrastazu e à Embratel”. E a reportagem dizia que o Brasil estava orgulhoso de ter podido ver os jogos da seleção pela TV, em uma experiência inédita: “É o milagre da técnica, repetem muitos, a maioria até sem compreender direito essa história de imagem via satélite”.


O reitor nos suplementos literários


A literatura foi um tema recorrente nos jornais da virada de 1960 para 1970. No entanto, era tratada como diletantismo, descolada da política e da vida social. Nos suplementos literários de O Popular, nomes consagrados da prosa goiana, como Carmo Bernardes, ou estudantes da UFG faziam enormes resenhas sobre Herman Hesse, Lima Barreto, Gabriel García Márquez, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, entre outros, sem dar mostras da visão crítica desses autores. Vale lembrar que são textos interessantes de se ler, mas que guardam marcas do contexto histórico em que foram produzidos: os pesados anos da censura.

Jerônimo Geraldo de Queiroz, professor da Faculdade de Direito, foi um dos colunistas cativos desses suplementos, escrevendo sempre sobre educação, progresso econômico e desenvolvimento humano. Senhor conservador e de texto afiado, sempre deixou claro seu posicionamento favorável às “revoluções” encampadas naquele contexto. Em 8 de junho de 1969, por exemplo, escreveu, convicto, sobre a importância da formação instrumental: “Sim, a Educação deve ser dirigida para o Desenvolvimento, pré-requisito do Progresso, preparando técnicos para a industrialização urbana e rural; habilitando agrônomos e veterinários, para o aumento da produtividade agropecuária; especializando planejadores, para nossos programas e projetos administrativos”.

Por muitos anos, Jerônimo Geraldo de Queiroz foi o desafeto do movimento estudantil em Goiás e, antes de a UFG ser criada, mostrou-se claramente contrário à federalização do ensino superior. Quando do afastamento de Colemar Natal e Silva, em 1964, foi o primeiro indicado a substituí-lo na função de reitor da UFG, cargo que ocupou de 1965 a 1968.