
(Patrícia Galvão em Vanguarda Socialista, 1944/1945, p. 128)
Transcrevo a seguir algo que me foi enviado pelo Rodrigo, por e-mail, na ocasião de uma "crise e suicídio", em 1º de julho de 2010.
Que bonito da sua parte, senhor doutor – Nada mais é inofensivo. As pequenas alegrias, as expressões da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só contém um elemento de obstinada tolice, de impassível endurecimento, como se põem imediatamente a serviço do seu extremo oposto. Mente até mesmo a árvore florida no instante em que se percebe seu florescimento sem a sombra do horror; mesmo o inocente “que bonito” torna-se desculpa para a ignomínia da existência, que é diferente, e não há mais beleza nem consolo exceto no olhar que vai até o cinzento, o enfrenta e mantém a possibilidade do melhor na consciência não abrandada da negatividade. Recomenda-se desconfiança perante toda desenvoltura, toda ligeireza, diante de todo deixar-se levar que envolva concessão ao império do existente. O maligno sentido mais fundo do bem-estar, outrora restrito ao brinde na cervejaria, há muito tomou posse de sentimentos mais amistosos. A conversa ocasional com o homem no trem, ao qual para evitar um conflito se concede algumas sentenças das quais sabemos que seu ponto final é o assassinato, já é uma traição; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e já basta dizê-lo no lugar errado e na concordância errada para solapar sua verdade. Sempre que vou ao cinema saio dele mais tolo e pior, não obstante a vigilância. A própria sociabilidade é participação na injustiça, ao apresentar o mundo gelado como se nele ainda se pudesse falar um com o outro, e a palavra solta e sociável contribui para perpetuar o silêncio, na medida em que as concessões ao interlocutor de novo o humilham no locutor. O princípio perverso que desde sempre habitou a afabilidade desenvolve, no espírito igualitário, sua inteira bestialidade. A condescendência e o não se considerar melhor são o mesmo. Na adaptação à fraqueza dos oprimidos confirma-se nesta o pressuposto da dominação e desenvolve-se em si mesmo a medida de grosseria, obtusidade e violência que é necessária para o exercício da dominação. Quando se deixa de lado o gesto de desprezo e só fica visível a equalização, como ocorre na fase mais recente, então a denegada relação de classe se impõe da maneira mais implacável, nessa completa ocultação do poder. Para o intelectual, a solidão inviolável é a única forma em que ainda pode manter de algum modo a solidariedade. Toda adesão, toda humanidade na convivência e na participação é mera máscara para a tácita aceitação do desumano. Cabe unir-se ao sofrimento das pessoas: o menor passo na direção das suas alegrias segue no rumo de enrijecer o sofrimento.
Theodor Adorno, aforismo 5 de Minima Moralia. Escrito em 1944, nos EUA. Tradução de Gabriel Cohn.