quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

conciliação, coisa de novela

Já diria Pagu,





“Nessa nova literatura, dar-se-à, forçosamente, conciliação de classes. Desenhar-se-à, portanto, o patrão-burguês de grande compreensão progressista, “liga” do operário em vez de arrancar de seu lombo a mais-valia, levando o proletário aos seus “week-ends” em Petrópolis e até mesmo em Quitandinha, onde, numa tarde fortuita, o feliz construtor do progresso poderá até namorar a filha do referido burguês, acabando o romance na igreja de Caxias que o Partido vai construir e que até lá já estará funcionando...”

(Patrícia Galvão em Vanguarda Socialista, 1944/1945, p. 128)

ei! psiu... acorda, né?!

Leia os documentos do Banco Mundial, da OCDE e da UNESCO, sobretudo as "cartas para a educação", e descubra que todos os seus "valores", todo o seu discurso, todo o seu modo de ser, o seu consumo, a sua luta "revolucionária", seus sonhos, seus amores, todas as suas ilusões, enfim, tudo foi devidamente inventado e argumentado antes mesmo de você nascer.

E assim foi feito porque gente antes de você já havia tentado se rebelar. (por "séculos e séculos, amém!").

Acontece que você pensa que a rebeldia é algo novo. E isso enfraquece sua luta, pois você pensa que sua luta é mera prática do aqui e do agora. Mas muitos são os intelectuais que estão preocupados com as novas sociabilidades e com as novas identidades. Muitos já estão pensando em como contornar o seu desejo de mudança. A sua pulsão autodestrutiva está sendo muito bem vigiada e estimulada, enquanto você só quer saber de "viver intensamente". Pois saiba que você vive intensamente o que a estrutura societal lhe deixa viver.

À direita ou à esquerda, tanto dá: a subjetividade está objetificada.



E você aí "pagando" de diferente? Rá!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

me parece pertinente para o momento

Transcrevo a seguir algo que me foi enviado pelo Rodrigo, por e-mail, na ocasião de uma "crise e suicídio", em 1º de julho de 2010.

Os grifos foram feitos na medida em que, relendo o texto, sete meses depois, percebi como tenho estado mais receptiva para amenidades, como tenho aplacado a inquietação e, também, como isso agora me soou como um embrutecimento completo. Ainda que a instabilidade como atitude seja um objetivo constante e de contradição aparente, parece que algumas circunstâncias me afastaram do meu próprio incômodo e do meu próprio desejo de ser incomodada. A inconstância em si mesma tem se tornado certeza. Faço agora esse giro, depois de encontrar o texto do Adorno, digitado pelo Rodrigo, quase por acaso na minha pasta que abriga os materiais "recebidos". Enfim, essas são apenas sensações que não alcançam, apenas tocam levemente, a densidade que é o texto. De modo que o texto é independente das minhas reflexões esparsas. Vale a pena ser lido e ponto. Só e somente. Até para que outras interrogações possam brotar.


Que bonito da sua parte, senhor doutor – Nada mais é inofensivo. As pequenas alegrias, as expressões da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só contém um elemento de obstinada tolice, de impassível endurecimento, como se põem imediatamente a serviço do seu extremo oposto. Mente até mesmo a árvore florida no instante em que se percebe seu florescimento sem a sombra do horror; mesmo o inocente “que bonito” torna-se desculpa para a ignomínia da existência, que é diferente, e não há mais beleza nem consolo exceto no olhar que vai até o cinzento, o enfrenta e mantém a possibilidade do melhor na consciência não abrandada da negatividade. Recomenda-se desconfiança perante toda desenvoltura, toda ligeireza, diante de todo deixar-se levar que envolva concessão ao império do existente. O maligno sentido mais fundo do bem-estar, outrora restrito ao brinde na cervejaria, há muito tomou posse de sentimentos mais amistosos. A conversa ocasional com o homem no trem, ao qual para evitar um conflito se concede algumas sentenças das quais sabemos que seu ponto final é o assassinato, já é uma traição; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e já basta dizê-lo no lugar errado e na concordância errada para solapar sua verdade. Sempre que vou ao cinema saio dele mais tolo e pior, não obstante a vigilância. A própria sociabilidade é participação na injustiça, ao apresentar o mundo gelado como se nele ainda se pudesse falar um com o outro, e a palavra solta e sociável contribui para perpetuar o silêncio, na medida em que as concessões ao interlocutor de novo o humilham no locutor. O princípio perverso que desde sempre habitou a afabilidade desenvolve, no espírito igualitário, sua inteira bestialidade. A condescendência e o não se considerar melhor são o mesmo. Na adaptação à fraqueza dos oprimidos confirma-se nesta o pressuposto da dominação e desenvolve-se em si mesmo a medida de grosseria, obtusidade e violência que é necessária para o exercício da dominação. Quando se deixa de lado o gesto de desprezo e só fica visível a equalização, como ocorre na fase mais recente, então a denegada relação de classe se impõe da maneira mais implacável, nessa completa ocultação do poder. Para o intelectual, a solidão inviolável é a única forma em que ainda pode manter de algum modo a solidariedade. Toda adesão, toda humanidade na convivência e na participação é mera máscara para a tácita aceitação do desumano. Cabe unir-se ao sofrimento das pessoas: o menor passo na direção das suas alegrias segue no rumo de enrijecer o sofrimento.

Theodor Adorno, aforismo 5 de Minima Moralia. Escrito em 1944, nos EUA. Tradução de Gabriel Cohn.

a contradição do não-viver-vivendo


Condenamos e, ao mesmo tempo, nos sentimos tão seduzidos pelo egoísmo. Isso é incrivelmente difícil de ser percebido! Quanto mais tentamos pensar nas pessoas, no bem-estar delas e em dar nosso melhor a elas, mais nos afastamos. Essa será nossa evidente condição (e contradição) humana?

O problema é que esperamos algo em troca. Um reconhecimento, que seja. Nunca abandonamos o ego por completo e o resultado é catastrófico. Às vezes, sem sequer perceber, direcionamos toda nossa energia para o rumo, o sujeito ou o objeto equivocados. Um animal, uma planta, uma causa, um grupo – estamos ávidos pela doação, mas não sabemos de que forma atingir esse objetivo já subjetiva e materialmente determinado. Aliás, isso de que as “coisas” são determinadas ficou para trás.

Estamos ressequidos, por mais que não aceitemos esse fardo. Tentar (eu disse só tentar) praticar algo como o altruísmo parece sufocante aos outros e a nós mesmos. O limite é sempre a “segurança” que exigem as relações. A segurança de saber o que se quer do mundo, de estar nele plenamente, enquanto a vida administrada não permite que, de fato, tenhamos esse “privilégio da experiência”.

O fato é que nos sentimos pouco confortáveis com o envolvimento. Um mundo apenas basta. O mundo previsível, sem percalços, sem crítica e, sobretudo, sem dor.

“Vamos nos permitir”, diz o cancioneiro popular, quando, em verdade, está a convidar a todos a agir de forma espontaneamente programada. Fingir tranquilidade é permitir-se. Ocultar incômodos é permitir-se. Evitar reflexão é permitir-se. E o que mais poderia ser? O otimismo fugaz da vida intensa escamoteia a ordem do dia que é “viver sem frustrações”. Ou, evitar viver para o outro.

Aquele sujeito que lemos tanto recomendou a instabilidade como atitude. Isso queria dizer, quem sabe, reconhecer que somos, de fato, humanos. Foi mal entendido, foi chamado de “pessimista” e até de praticar um providencial e cego “imobilismo”. Ora, esse é apenas um exemplo.

Não admitimos, sequer, que somos impotentes, pois a nossa maior ilusão é a força e o motor da mudança. Adaptamo-nos ao sonho da transformação, ainda que nos custe seguir em formação. Pois formação pressupõe, em todos os âmbitos, dúvida. Mas já não permitimos a dúvida, sob qualquer aspecto e em qualquer situação concreta.

Basta voar, sugere a campanha da felicidade. E assim cumprimos. Logrando, no entanto, apenas um breve vagar.