sábado, 13 de junho de 2009

visões

Por Luiz Tatit e Dante Ozzetti. Para o Leo.
A respeito do abismo e das estátuas, quem sabe?!
Só uma lembrança... que comporta outras interpretações, é claro.



Vendo daqui, é um avião
Vendo daqui, é um passarinho
Quem vê daqui vê assombração
Quem vê daqui vê só um bracinho
Quem vê daqui vê bem o mar e o sertão
Quem vê daqui em vez do mar vê um pomar
Não vê sertão, mas vê certinho
Vejo aqui a luz que tomou conta
Que avermelhou de ponta a ponta
Quem vê daqui aprenderá
Que o mesmo sol renascerá
Só pra depois se retirar
Virá, irá
E aí?
A lua vem
E aí?
A lua vai
E aí?
E volta o sol
É sempre o sol
O sol e só
O sol é lei
É lei
O sol é rei
É rei
É um farol
Só dá o sol
O sol e só
É só o sol
É só
Solando só
Sol e só
Quem vê daqui não vê o fim
Quem vê daqui não vê inteiro
Mas é capaz de ver de longe
Uma agulha no palheiro
Quem vê daqui não sente falta de visão
Não sente falta de vizinho
Quem vê daqui
Não tá sozinho
Nem cabe em si
Vejo um caminhão no seu caminho
Leio uma versão do seu versinho
É uma luzinha que vai daqui
É uma ilusão que vem daí
E a luz do sol tocando em mim
Luz
Pra quê?
Pra reluzir
Pra quê?
Pra refletir
O quê?
Tudo que vi

Sol
Pra quê?
Para solar
Pra quê?
Pra colorir
O quê?
O que vivi

Som
Pra quê?
Para somar
Pra quê?
Pra ressoar
O quê?
O que senti
Som e sol
Tocando em nós

Sol: clarão
Som: clarim
Vemos as florestas triunfantes
Transformadas em capim
E uma enorme banda
Reduzida a um clarim

Luz, ação
Som assim
Quem olhar daqui
Inda vê gente
Desejando ser feliz
E daqui
Só vê uma parte do nariz
Quem olhar daqui
Vê muita coisa acontecer
É, daqui não vê



PS.: Imagine a voz da Ceumar.

repetições do jovem Werther

"Ai, o amor
é um capitoso vinho
que nos embriaga com um só pinguinho"
Sinhô, Maldito Costume


Era manhã seca de inverno, o sol demorava a firmar no tempo e o orvalho da noite ainda podia ser sentido. Na praça, poucos passavam apressados, uma vez que o sábado dava mais preguiça aos trabalhadores de todos os dias. Pombas sobrevoavam o monumento das três raças enquanto o vendedor de sanduíches chegava para mais um dia em seu quiosque. O vento batia com certa constância no chão, levando papéis esvoaçantes e outro tipo de “lixeira” para o meio da rua. Sob a mangueira, um banco. Um dos muitos dispostos por ali. E um homem. Deitado, duro, imóvel.

Trazia uma carta nas mãos. Quando o corpo de bombeiros chegou para socorrê-lo, abriram-na. E estava lá: nome, telefone, dicas de onde encontrar a pessoa endereçada e uma série de outras observações. Não resistiu: tomou soda cáustica de forma um tanto comum.

O homem morto não era morador de rua, não foi violentado (não diretamente), não estava ali por acaso e não sentia ódio por muitas pessoas. Apenas queria morrer. E assim o fez. Planejou tudo, escolheu o dia, o lugar, a hora, pôs os motivos no papel (talvez seu único legado para a eternidade) e foi-se.

– Do que falava a carta? – perguntei a quem me contou essa história.
– De sentimento...

Sentimento. Por não ter sido correspondido, por não aceitar rejeições, por não suportar a dor, por não saber sobreviver sem aquela mulher ou sabe-se lá mais o que, eis que alguém se mata (literalmente) por amor. Ou seria desamor? Revolta, desespero, vazio, angústia, asfixia? Algo parecido com as sensações do romântico jovem Werther que, nas páginas de Goethe, delira, deseja e rejeita o ser amado, até tomar a mais drástica das decisões.

As palavras daquele homem angustiado encontrado no banco da praça, presumi, poderiam ser resumidas em uma só: culpa. Culpa que move atitudes. Culpa que responsabiliza outro ser pelo seu sofrer mais íntimo. Culpa que, a partir daquela comunicação oficial em praça pública, foi transferida. Dele pra ela. E cristalizada.

Como tudo começou? Não sei. Como tudo terminou? Muito menos. Mas certamente foram momentos felizes, intercalados por infelizes, de grande paixão e também desdém. Houve faltas? Não houve? Quem se interessa? Houve cólera, que consumiu e embriagou o amor, não como um vinho, Sinhô, mas sim como uma dose de absinto. Doce, forte, alucinante, mortal. Esse foi o amor que o Werther da praça conheceu. Só esse, perdidamente. Sem retorno, perdão ou sobrevida.

O corpo de bombeiros correu para socorrê-lo, mas não teve volta. Hora dessas, a noite já cobriu a praça, as pessoas que por ali circularam estão em suas casas, nos bailes ou nos bares. A carta flutua por aí, na boca e nos dedos das pessoas, cercada de mitos, julgamentos e interpretações. A mulher endereçada, por sua vez, pensa mais do que nunca sobre a vida e, como a corrente de sentimentos turvos não tem fim, odeia quem lhe levou correspondências no dia de hoje.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

efeméride

Recebi um e-mail de uma companhia aérea que trazia animação especial para o dia dos namorados. Na sequência de desenhos, um rapaz se movimenta para segurar a mão de uma moça, enquanto o avião cruza os ares. Ao final, ele a toca e coraçõezinhos vermelhos pulam de suas cabeças, eles sorriem, se olham e sorriem novamente, bestializados. A campanha conclui:

"A gente se sente nas nuvens quando está apaixonado."

Então, aproveitando a data, que é a terceira melhor em todo o ano para o varejo brasileiro, decidi escrever sobre um sentimento conhecido por aí como "fogo que arde sem se ver", "ferida que dói e não se sente", "dor que desatina sem doer", "contentamento descontente". E aí peço licença a Camões ou qualquer outro que porventura aqui for mencionado, pela cópia barata e mal adaptada.

A mocinha da novela das sete é embebida desse sentimento. O casal da revista, também. Qualquer ser humano que se preze, aliás, não pode deixar de tê-lo. Em tempos de confusão sobre nossa condição moderna ou pós-moderna, dar vazão às emoções que esse sentimento provoca é ser feliz. Ou, pelo menos, parecer feliz. Por alguns instantes, quem sabe? E se você não está numa fase propícia para aproveitá-lo, azar o seu! Mil pessoas por aí cumprirão esse papel.

Apesar de que "são demais os perigos dessa vida...", é bom despertar aquele arrepio fatal da lua cheia que desemboca em constante conflito. Conflito que gera erros, acertos, mais erros que acertos... Enfim, conflito que nos põe em dúvida, que nos faz cogitar como seria se não houvesse ali aqueles desejos. Que nos faz refutar quando se quer e endossar quando não se quer. Hunf, deu até vontade de suspirar!

Hunf...

Pena que não estou falando de amor.

Claro que não! Amor não é sentir-se nas nuvens quando se está apaixonado. Amor é algo intenso demais para que nossa compreensão medíocre aceite, assim, de imediato, em caixinhas de presente. Amor não se controla com um coração vermelho ou com uma rosa. Pelo contrário, extrapola tudo isso e, quando manifestado, de fato, pode até provocar susto.

O que considero aqui como o verdadeiro "solitário andar por entre a gente", "querer estar preso por vontade" ou "servir a quem vence, o vencedor" é algo mais importante para os dias de hoje: menos comprometedor e mais fugaz. Algo que supera o amor, transformando-o em mera desculpa.

Adivinhou?

Perdoem-me os casais apaixonados que foram ao shopping garantir seus presentes para o 12 de Outubro. Mas, aquela blusa que ela vai ganhar ou aquele perfume que ele gosta diz respeito a que mesmo? Ao amor?

(...)

Fortalecido em efemérides, o prazer das compras é sentimento que há muito tornou-se independente. E ai de nós que não amamos, amamos demais, amamos errado ou que simplesmente não visitaremos loja alguma no dia de hoje! Ai de nós...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

"diferentes iguais" - ou a angústia de aceitar a própria alienação

Festa de luz azul, clima vermelho e cheiro verde. Casa espaçosa, num bairro distante, em frente a um lago e ao lado de um bosque. Pessoas andrógenas, performances conceituais: todo mundo (ou quase) sem roupa, ainda que frio. Decoração datada, inspirada num certo Duchamp. Conversas pontuais, olhares intimistas, observação latentes sobre o outro. Roda de carinho. A recriação de um clima do passado, onde a própria existência pândega representava questionamento, contestação, intervenção agressiva sobre a pasmaceira da vida real.

“Cabaré Voltaire, cara! Isso é Cabaré Voltaire!” – alguém exclamou extasiado, acreditando na força do ato.

Ali, naquela festa, o ir e vir significava. Ou, pelo menos, deveria.

Ao fundo, música pós-humana. Hã? É. Alguém comentou, entusiasmado, que a música que o DJ tocava era pós-humana. Uma mistura nervosa de barulho de motor de carro com outros ruídos metálicos. Tentei entender o que era, mas minha ignorância para com a arte pós-moderna é tamanha que foi em vão. O ser que evocou o pós-humano foi bastante aplaudido. Era um professor recém-chegado à Faculdade de Artes que, junto a outros colegas de Departamento, deu canja na festa dos alunos.

Em outra situação, alguém arrematou:

“É muito fácil ser DJ, você toca o que gosta e quem quiser que escute. É só compartilhar!” – Nunca tinha pensado nisso...

Depois desse comentário, passei horas como uma sombra, olhando as feições de todos os professores-tocadores-de-música que passavam pela mesa de som. De fato. Ska para quem usa barba, disco music para quem usa óculos de massa, metal pós-humano (?) para quem está com jaqueta de couro. Elementos indiciários, às vezes até óbvios. E muito balanço. Pessoas empenhadas em seus hedonismos. Diversão é atitude, por que não?

Conversas prosseguiam. Aos poucos, revelavam um status de vida em comum: o nicho das luzes, a conformidade com o conhecimento (e o desconhecimento, já que os tempos são de incerteza), o desejo de romper com algo, digamos, trivial. As falas giravam em torno de pesquisas, projetos, departamentos, orientadores, colegas de classe, almoço no RU, convivência na Biblioteca, trocas simbólicas por entre as árvores, ideais, questionamentos, condições, proposições, algo além. Um papo específico, ora deslumbrado, ora deslumbrante que, para quem percorre a Avenida Espanha do Conjunto Itatiaia, sentido Campus Samambaia, todos os dias, soa até reflexivo (caso contrário é pedantismo mesmo!).

Eis que, num estalo, me vem levemente a angústia. Não, nada nem ninguém faltava. Era apenas uma constatação difícil de aceitar passivamente. Em dois ou três meses minha vida mudou de forma radical e tudo o que outrora sentia falta, hoje tenho. Inclusive o ar pedante do nicho universitário, que hoje respiro em excesso. E ontem isso me causou náuseas. Não pelas pessoas, não pelas luzes, não pelas cores, conversas ou pela música pós-humana. Não. Mas sim por notar que ali havia uma alienação múltipla que não me fazia fugir à regra do determinismo social.

Ao ouvir um estudante de Física que trabalha no DAA contar sobre algo que não me lembro especificamente o que era (mas que obviamente tinha a ver com o andamento da vida acadêmica), percebi quanto convivíamos como uma comunidade fechada, tal qual uma igreja, ainda que todos por ali recusássemos essa idéia. Trabalhamos na UFG porque um dia fomos alunos da UFG. Alguns, inclusive, emendaram o mestrado e o doutorado, conciliados ao trabalho, e vão um dia ocupar uma “cátedra” nesse mesmo espaço. (Quem sabe tocar nas festinhas dos alunos?).

Mesmo nos sentindo diferenciados, cá estamos a repetir, repetir, repetir... Nos nossos momentos de lazer, conversamos sobre nossas rotinas produtivas. Em nosso cotidiano de (re)produtores de conhecimento, sonhamos com as horas de lazer, que consistem basicamente em relaxar, chapar, papear e pensar sobre... a vida... na Universidade! Ora, o que mais é alienação, se não isso?

segunda-feira, 8 de junho de 2009

domingo, 7 de junho de 2009

cafezinho sem açúcar, por favor!

O amargo da vida é experimentado a cada dia. E quanto mais o tempo passa, mais gostamos disso. Amargo é conhecer, aprender, ver o tempo passar. É ter um prazer pequeno, lá no fundo, de algo que provoca estranhamento e exige adaptação, mas que, quando vinga, gera uma série de descobertas.

Não à toa vamos envelhecendo e desenvolvendo melhor o paladar para gostos raros. Café sem açúcar, jiló misturado ao arroz, guariroba no empadão, mostarda em salada: tudo amargo, tudo arrepiante, tudo com sabor de mistério. Mistério que chega na ponta da língua de forma pouco amistosa, que atravessa rasgando e, uma vez aceito, converte-se em doce, agridoce, apimentado, salgado (ou seja, sabores mais adaptados).

Assim como o percurso da vida, amargo é base que desperta paixões, curiosidades, temores, para só depois ser bem compreendido. Uma vez desvendado, provoca uma enorme sensação de equilíbrio. Por isso é tão bom.