terça-feira, 2 de outubro de 2012

no limiar


Estamos em circulação. Durante a caminhada, a trilha traz surpresas. Cascalho, mato, lama, água, pasto ou cimento podem estar na sustentação da nossa trajetória. Para cada passo, uma forma de pisar, uma respiração e um olhar. E assim acontecem as experiências.

O percurso revela uma infinidade de caminhantes. Aos poucos, conforme sentimos o chão, pessoas são identificadas, seus rostos ganham feição. Caminhantes lado a lado, ora necessitamos apoio, ora basta um empurrão. Pode ser que não tenhamos o que dar em troca ou que o carinho seja uma boa fonte de energia. Em muitos casos, não se compreende o que tantas vozes dizem. Vez por outra, captamos os sinais com uma leve movimentação de dedos, braços ou quadril. É tudo sutilmente esvoaçante.

No correr do caminho, acontece de as pessoas terem ritmos, velocidades e direções diferentes. Há quem chegue na frente e também quem tropece ou desmaie. Há quem cumpra sua jornada e deixe de vez a longa estrada. Há quem morra ainda em vida, virando logo ali em outra pista.

Também nessa estrada há abismos e planícies. Os abismos, profundos e escuros, nos revelam a crise e a realidade do percurso. As planícies, levemente assombreadas e frescas, nos oferecem oportunidade para respirar, observar, analisar, compreender, pactuar ou discordar. Quando alguém desvia seu rumo do nosso, sofremos e nos sentimos diante do abismo. O caminho em conjunto estava bom e cômodo. A dor é imensa.

Para aproximações ou abandonos, não há explicações plausíveis ou que sequer estejam acessíveis à nossa racionalidade. Aconteceu, o luto está por vir. Lutamos com as dores das transformações e, sem notar, nos posicionamos a um passo da próxima parada: a planície.

É no limiar que ocorre o luto. Velamos os que nos deixam e sentimos muito – por nós e por eles. Os enterramos. Nos despedimos em pensamento. Delírio e realidade se confundem, é quando tentamos recuar. Garantimos os sonhos mais lúdicos, mas padecemos de desilusão ao despertar. Pouco a pouco, desejamos novamente fincar os pés na terra. Quem sabe, voar? Quando seca o choro, gota a gota da lágrima que caiu é transmutada em sinais de tranquilidade. Isso, contudo, é sem adiantamento. Só há modos de esperar.