sábado, 10 de julho de 2010

a frieza do mundo

O cara canta uma música estranha, mas dançante. As pessoas se mexem, sem saber direito o porquê. Deve estar na moda. Ele é negro. Diz retratar a periferia de alguma metrópole. Nova York? E, nos seus videoclipes, faz uma mistura de cenas de um cotidiano que insiste em existir. Pó, mulheres com seios fartos, carros caros... e o que mais? Hum. Candy Shop, quando ele acorda, é um drive thru, vende comida rápida. Aquelas roscas açucaradas e aqueles hambúrgueres gordurosos no pacote. Mas, a gente só descobre isso no final da história. 50 cent no país das maravilhas é ele em um bordel de luxo, com mulheres seminuas requebrando.

Ele vem ao Brasil e recomenda à sua produção água mineral estadunidense. Muitos outros "astros" já fizeram o mesmo. Aí descubro, tardiamente, que vem também na minha cidade. E pergunto, sem ligar o nome à pessoa: "Quem é 50 cent"?

Oh, bem que desconfiei! Um Marcelo D2 mais playboy ainda! Alguém que representa o submundo, mas não é o submundo. É a sobrevivência do capital nas classes baixas, médias e altas, disfarçando seu mau gosto no êxtase de uma suposta cultura. A locução do seu nome já indica muito bem quanto vale a diversão.

Vão beber e dançar adoidado no show de hoje, hã? Mas, para quê? Bater o carro, pegar alguém, algo mais? Talvez um vazio sem explicação no dia seguinte. Aqueles típicos dos cinquenta centavos de vida.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

perdi o sono

"Quem quer um pedaço
Um pouco de alguém
Abraçando tem
E ainda mais

Se o abraço for além de um minuto
Aí é fatal
Envolveu

Você tem
Um alguém Total"

semicultura

Ringo Star seria Lady Gaga. A voz do "polvo" é a voz de Deus. Seja radialista e sinta-se em um boteco. Não vá pensando que sou fake. Para fazer stand up não precisa ser ator, basta ser engraçado. A diversão é garantida. A reflexão, nem tanto. O factual entra em pauta. O jornalismo está por aí. O telefone também faz piada. "Pilantropia", definiu a Polícia Federal. Música é notícia. Quem se apresenta no Festival de Inverno? Que felicidade! Cristiano Ronaldo pagou US$ 20 milhões para engravidar uma mulher. "Foi a noite mais cara de minha vida", diz o jogador de futebol, "mas valeu a pena". O livro fala sobre a sabedoria das coisas, travando um diálogo entre o abajur e a lâmpada, comenta, do outro lado da linha, o escritor. Por que temos tanta facilidade para nos preencher? Por que temos tanta dificuldade de olhar para dentro?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

desanuviando



O flâneur é ingênuo quase sempre. Pára diante dos rolos, é o eterno “convidado do sereno” de todos os bailes, quer saber a história dos boleiros, admira-se simplesmente, e conhecendo cada rua, cada beco, cada viela, sabendo-lhe um pedaço da história, como se sabe a história dos amigos (quase sempre mal), acaba com a vaga ideia de que todo o espetáculo da cidade foi feito especialmente para seu gozo próprio. O balão que sobe ao meio-dia no Castelo, sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para alegrá-lo; se num beco perdido há uma serenata com violões chorosos, a serenata e os violões estão ali para diverti-lo. E de tanto ver que os outros quase não podem entrever, o flâneur reflete. As observaçõs foram guardadas na placa sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no cortical. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia, a alma das ruas. E é então que haveis de pasmar da futilidade do mundo e da inconcebível futilidade dos pedestres da poesia de observação... Eu fui um pouco esse tipo complexo, e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo e imóvel.

João do Rio, A alma encantadora da rua

terça-feira, 6 de julho de 2010

censura e sufoco

Me sinto, assim, com um travesseiro sobre o rosto e alguma mão bem forte e pesada pressionando-o, cada vez com mais força. A força das palavras cortadas e das versões deturpadas da história. Uma potência de domínio sobre o trabalho. O meu próprio. Força essa violentada. Violência de autoridade, que indica o que deve ou não ser dito, que memória deve ser resgatada e que documento há que se considerar. E o que sufoca mais é que vivemos os tempos de felicidade e liberdade plenas. Aliás, parece que sempre foi assim. O erro está onde querem notá-lo, não? Os incomodados que se retirem, é o que ensinam as entrelinhas em versos populares. E ao se retirar, apague a luz, feche a porta, não deixe rastros.

Não, não há o que reclamar, menina! Esse rosto pressionado é que procura confusão, quer deturpar as linhas retas, tão retas, deveras retas! Conservadorismo, não lhe aguento com essas plumas e essas penas tão fartas, tão delicadas, tão amenas!


Yo no protesto por mi
porque soy muy poca cosa,
reclamo porque a la fosa
van las penas del mendigo.
A Dios pongo por testigo
que no me deje mentir,
no me hace falta salir
un metro fuera 'e la casa
pa' ver lo que aquí nos pasa
y el dolor que es el vivir.
(Violeta Parra)