sábado, 5 de março de 2011

mitomania

Ando encabulada com aquelas vidas que a gente vive só do lado de dentro. Parece que as histórias ficam mais saborosas (e controladas) quando as outras personagens são todas imaginárias. Todas marionetes, para ser mais sincera. A gente pode dar o tom que quiser e isso é o que atrai tanto. O problema é quando o costume chega. Aí, não tem graça mais nada lá fora. Viver já não supre o prazer da imaginação. O concreto já não basta, pois exige bem mais molejo e paciência. É preciso inventar, inventar sempre. Vira compulsão e autodestruição lenta. O mundo é tormenta. Seria melhor um palco. Por tudo pra fora. Virar arte. Sei lá. Mas, não: a gente segue vivendo em segredo, pra ninguém, um mundo fechado, particular. Perfeitas ilusões. E basta. Ufa, até cansa!

quinta-feira, 3 de março de 2011

solidão em concreto

Na Rua 1-A, Setor Aeroporto, havia uma casa rosada com muitos pássaros e árvores. Lugar de cantoria e cheiro de alpiste. Seus moradores eram uma senhora e um senhor simpáticos, companheiros um do outro e pacatos. Assim, pelo menos, eu os imaginava.

E maquinava também sobre a quantidade de cereais que eles gastavam com todos os rouxinóis e sabiás; ou sobre o trabalho que o chão de pedras do alpendre dava para limpar. Como podia ser? Era bonito.

Hoje, passando novamente pela Rua 1-A, levei um susto: vão derrubar tudo naquele lote.

O senhor é falecido faz uns anos e a senhora andava muito deprimida ultimamente. Uma moça veio de outra cidade para cuidar dela, mas não pôde contra o implacável do tempo. A senhora passava os dias olhando a rua, estática, com as mãos no portão de grades baixas, como se buscasse no vaivém externo sua vida já perdida. Nunca conversamos, mas por vezes vi em seus olhos a dor rasteira de seguir.

Talvez, doravante, um edifício de dez andares ajude cobrir as memórias da Rua 1-A.