segunda-feira, 28 de março de 2011

estudar é...

Não atualizo meu currículo. Não sou "expert". Não tenho que me gabar. Sequer vejo um grande futuro pela frente. Nem tanto por falta de oportunidade, mas mais porque passei a negá-lo. Uma questão meramente teórica e conceitual, de "visão de mundo" e de escolha diante de uma "sociedade em disputa", como diria um revolucionário por aí. Logo, não me sinto apta a opinar sobre certos "mistérios" que andam a circular.

No entanto, por ser extremamente passional e por ter vivido intensa e atabalhoadamente cada uma das sete disciplinas que cursei no mestrado, posso dizer de outras impressões. Posso comentar sobre algo que é particular e tem a ver com o que não se explica.

De modo que:

Estudar faz o seu cabelo cair. As células de todo o seu corpo se movem mais lentamente, mais rapidamente, em qualquer direção, com qualquer velocidade, e você fica totalmente sem controle sobre suas sinapses nervosas. Estudar faz suas vísceras se irritarem, suas unhas quebrarem, seus ossos da clavícula ficarem mais pontudos do que o normal, porque sua fome foi embora há muito tempo. Estudar faz você não só querer trocar de roupa, mas se despir totalmente. Faz você perder as ilusões, destruir sonhos, descobrir que nunca pensou com suas próprias ideias. Estudar também é duvidar das garantias, das representações e do seu próprio futuro. Estudar, às vezes, faz você não querer estudar. "Ai, que prazer, ter um livro pra ler e não o fazer", escreveu Fernando Pessoa. Estudar é isso: lhe leva a fugir, fugir completamente, de si, dos livros, da vida e do mundo. Mas, essa ação também lhe traz de volta. Com um tapa na cara! Faz você se isolar, naturalmente. E lhe dá, de repente, um grito rouco e seco na garganta para toda a multidão. Estudar é mergulhar para o fundo, pensando que é a superfície. Lhe faz montar muitas vezes o mesmo quebra-cabeças sem localizar a peça fundamental. Escrever, apagar, escrever, apagar... Estudar requer edição zero, limitação zero, mas você já está cansada demais pra ser criativa. Estudar faz você falar sozinha na rua, desejar o autor que lê, querer xingar e até bater em outro autor que leu antes. Tira a poesia da sua vida, devolve, tira de novo. Sono profundo, acordar eterno. Estudar faz você querer falar menos, apesar dos ímpetos que ainda lhe restam. Faz você respeitar mais os outros, ainda que isso também seja um gesto egocêntrico. Faz também você pedir desculpas para a metade do mundo por essa sua arrogância irracional que insiste em brotar todas as madrugadas. Estudar faz você tanto melhor como pior. E lhe lembra que tudo é questão de escolha. E que nada tem fim. A atividade intelectual (e não digo a atividade realizada somente dentro do lócus da intelectualidade) é paixão: não pelo que regem as normas dos órgãos financiadores de pesquisa; mas sim pelo que lhe desafia, pelo que não é possível de ser resolvido, pelo desconhecido; pela classe social que "não existe mais", pela teoria "superada", pela "ideologia", pela revolução que não será "televisionada", tuitada, assessorada, enfim, mediatizada. Estudar requer, sim, dedicação exclusiva e muito da vida pessoal. É levar muito mais "não" do que "sim". Puro paradoxo. Temos todos de estar preparados para isso. Acho que nunca estarei.