sábado, 15 de maio de 2010

crise

Pensamos na possibilidade de falar sobre a crise. Afinal, o que vivemos, sentimos, pensamos e nos definimos passa pela crise. Crise de não saber quem somos, o que queremos, o que esperamos dos outros. Crise por nos decepcionarmos, desesperarmos. Por não confiarmos nem mesmo em nós. Crise também por fazermos sempre a mesma coisa. Por não falar. Por ter medo. Medo de agir errado. Crise incentivada pela perfeição. Por não aceitar as nossas próprias contradições e muito menos as dos outros. Crise por cobrar coerência quando não somos coerentes. Enfim, você tem crise com o quê? A minha maior crise é a indefinição. Com isso sofro. Não saber assumir o que quero e arcar com as consequências disso. Não saber reconhecer sequer o que quero. Saber apenas o que não quero, o que parece sempre que é pouco. Porque o mundo cobra a maior perfeição possível e é essa exigência dentro de mim mesma, comigo mesma, que me faz tão paralisada. Nenhum passo em falso. Nenhum passo para frente ou para trás. Mais ou menos isso foi o que relatei na noite de sexta, quente, depois de assistir a dança do Autêntico, em um encontro com as meninas de fogo. As demais também fizeram seus relatos.

Nos propusemos transformar a crise em personagens, em um roteiro, em uma montagem. Situações que situem, redundantemente, as pessoas e nós mesmas em crise. Como seriam os momentos? Ansiosos, frios, felizes, exorbitantes, indiferentes, amedrontados, tristes. São talvez os tipos mais comuns entre os humanos atuais, todos em crise - ainda que não se assuma. E os tipos que se misturam n'agente.

Ficamos de escrever algo. E fazer em conjunto com os meninos da banda. E organizar melhor dessa vez, sem muito alvoroço e vinho, para o experimento da webtv. Daí, esbarramos com o fato de não termos lugar para ensaiar. Campininha interditada. Esbarramos nos medos de cada uma. E na preguiça de cada uma. A Ana resolveu não fazer. Depois voltou atrás. Mas ficou de pensar melhor. Talvez Nah, menina sensível que olha nos olhos, também embarque na crise.

Por volta das 23h chegou até nós um elemento surpresa, como um enviado. Fransuel (será que é assim que escreve?), um artista de rua e andarilho, passou cerca de 40 minutos conversando conosco. "Todos os dias, depois das 8h da noite, o meu inimigo invisível aparece e me atormenta, me incomoda". Um tipo intrigante e complicado que dizia coisas "pregas" e fazia "doce" - por suas próprias palavras. Esquecido, se contradizia, condenava, nos acusou. Questionou o ritualismo da cerveja, mas bebeu cerveja. E sei lá o que passava mesmo pela cabeça dele! De todo modo, a fragilidade estava ali escancarada. A fragilidade de querer tomar as rédeas da própria vida e não conseguir. Contou-nos sua rotina de não-trabalho, os "perrengues" e as resistências. Demonstrou os traumas. Estava ali também uma crise. Assim como nós, personagem. A crise da autoavaliação. Nos entregou uma poesia escrita em um papel, à mão. Não sei se foi ele quem fez ou o Cruz e Sousa (que ele citou, deixando rastros de dúvidas). Mas então reproduzo o que, ao reler, fez-me respirar crise.


PERAMBULO

O velho mendigo perece sob a noite
Traz no senso a ferida eterna da solidão.
Fenece em seu olhar o amor, a liberdade
O passo taciturno denuncia o pesadelo

Vem da estrada desolada da angústia
A dor calejada em seus rudes pés.
Percorre o embriagado mundo das sarjetas
Arrastando a honra dos desvalidos méritos

Tem na memória um cruel algoz
Aliado memorável de convulsas horas.
Em uma alma carrega a labuta, insana alquimia
Noutra, todas pragas e demências da neurose

Na fronte austera, denota-se um triste ódio
Cólera e repúdio no sangue subalterno.
Os andravos, sua bandeira, sua renúncia
Aos lúbricos valores cristalizados pelo ouro

Possui nos olhos funesta visão
Iconoclasta descrente fadado à irreligião.
Sua prece é profecia fria e infeliz
Ofertada aos micróbios desiludidos da cidade

Altivo albatroz, inconsolado sobre o abismo
Permanece forte na sina do teu calvário.
Guerreiro desterrado ao cemitério dos sonhos
Exorciza a infame corja que te oprime os sentidos

E pelo caminhar singular da alma
Desassossega no espírito o convencimento.
Transcende iluminado ao derradeiro inferno
Pelas vísceras subterrâneas da tua dor.


Tentei investigar o Cruz e Sousa, o poeta negro do Desterro, para ver se os versos de Fransuel poderiam também ser dele (uma vez que foi mencionado). Descobri Sílvio Bach remontando um pedaço de sua vida, dos preconceitos na ilha de Floriano até a morte em Minas Gerais, em trechos rimados. E encontrei outro poema que tem muito a ver com o que supomos em três ou quatro atos ser um dos efeitos da crise: a felicidade, falsa.


ACROBATA DA DOR

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...

Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço. . .

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


Lição de ar, de tentativa. Semelhanças de inspiração e linguagem em personagens da crise, muito embora à margem de seu tempo. O roteiro no colo. A história pronta por si mesma. Pelo que nos foi permitido captar.

O que dizer mais, além do riso e da poesia, sem parecer repetitiva, estando em crise constante?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

triadismo

A forma como os sujeitos se relacionam é tensa. O modo como os objetos existem é tênue. O objeto diz do sujeito e o sujeito dá o nome ao objeto. A dominação do sujeito é o próprio objeto dominado. O objeto pode ser também sujeito. Sujeito esse que está lapidado. Por quem?