sábado, 10 de abril de 2010

verbo que habita

"Feira de produtos orgânicos, agora, no Mercado Popular. Venha conferir! Hortaliças, frutas, queijos, doces, pães... tudo orgânico e direto da fazenda. Agora, no Mercado Popular da Rua 74. Mas, atenção, a feira é dentro do Mercado e não na calçada do lado de fora! Venha conferir, tudo fresquinho e direto da fazenda, sem agrotóxico e sem conservantes!"

(bicicleta-de-som que circula todo sábado de manhã na região do antigo Bairro Popular)

"Olha o picolé. Picolé bem geladinho. Huuum, uma delícia! Olha o picolé passando na sua porta, meninada!"

(carro-de-som rodando pela Vila Nova, deserta, em um sol escaldante, por volta das 14h de hoje)

"Ei, já te pedi moeda? Me dá moeda. Me dá um pouco do seu suco?"

(moradora de rua, imponente e com voz rouca, que passeia pela rua 4 do Centro na hora do almoço)

"Sai da calçada, bicicleta não é pra andar na calçada!"

(um senhor, incomodado, na Avenida Anhanguera)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

forte fluxo

Esqueci a tranca da bicicleta. Quer dizer, quebrou. Alguém a quebrou em algum lugar. Saí de casa. Caminho curto. Terapia. Tudo como sempre, reclamações de sempre, insatisfações insaciáveis. O exercício comportamental de casa não fiz. Nunca faço. Recebi a incumbência de prestar atenção nos mínimos atos, no presente, nas menores escolhas. E será que gosto delas? Para! Mandei parar. Para o pensamento. O fluxo da cobrança. A esperança eterna do Messias, da vida perfeita, das ações que nunca têm começo e menos ainda fim, dos julgamentos, das críticas.

Noite estrelada. Barulho na cidade. O alarme de um carro dispara. O ônibus passa. Cruzeiro - Setor Aeroporto - Centro. Avenida República do Líbano. Sinal vermelho. Depois verde. Um motoqueiro passa. Os carros passam. Eu passo, de bicicleta. Vagarosa. Pesarosa. Não pense em outra coisa que não seja o agora. O corpo equilibrando. A sombra no asfalto. Um molho de chaves nas mãos. O semáforo, de novo. Praça do Avião. Uma volta na praça. O espetinho de queijo coalho do Árabe cheira longe. Rua 55, Avenida Oeste, Rua 57. Escuridão. Luzes altas, somente na cuca.

A casa, a família, o aconchego, o cheiro do feijão. Paz. Mas o fluxo ainda é intenso. Lembranças, ensaios, reações. Conjecturas. Pouca atitude. Dever de nada. Outras chicoteadas mentais. Desilusão. Desrespeito. O que andei a escolher por este curto caminho?

Para, pensamento, para!