quinta-feira, 13 de outubro de 2011

dias de paz



"As pessoas não são más
Elas só estão perdidas
Ainda há tempo"
Criolo Doido


Percorria as estações de rádio como quem procura uma voz mansa, em sintonia aplacada com um tempo passado. Encontrava de balada a samba canção, como se tudo ainda seguisse. Mas o que desejava era um repente, um repique, um ronco de cuíca que fosse. Não importaria se de outrora ou vindouro, bastaria ser.

Sob o embalo do fundo musical, em nada mais pensava que não fosse pessoas. No que elas aspiravam para suas vidas. Saber-se-ía até mesmo se essa gente toda andava a buscar sentir! Algo que não fosse tão estranhado da vida.... Seria?

Múltiplo jogo de palavras em sua mente. Quanta irritação diante de modos secos e tão prestativos! Alterava novamente o tom da melodia, numa inquietude, como se quisera fugir de suas próprias intenções. Um grunhido pelas ondas, no momento em que o dial passou pelo ar sem voz humana, a despertara por poucos segundos. Piscou para o pensamento.

Pensar nas pessoas, logo em seguida do entusiasmo, provocava-lhe arrepios de asco e nervo. Não sabia como agir. Cobrava-se muito. Mas a frieza estava entranhada em seu pulmão escuro, assim como a fumaça do cigarro de ontem. E não seria ela apenas a sentir tamanha estranheza. Nas notícias do rádio, outrem se acometia do mesmo mal, todos os dias.

O mais puro e fraternal sentimento estava em voga e sob eterna disputa, no folhetim e também na propaganda eleitoral, ainda que os hábitos da prática o dispensassem. Mas o que a encabulava, de fato, era a incapacidade de amar e até mesmo de sofrer, como idealizaram os românticos da literatura. Nada que lera serviria? Tudo estava ausente. Tudo alheio. Mentira! Muitas de suas observações manifestavam-se em si mesma, tal como o ar e os resíduos sólidos.

Evitava o calor enquanto mudava a sintonia das rádios. Não suportava mais ouvir “só sei dançar com você/isso é o que o amor faz”. O amor faz dançar? – perguntava-se, em suspiros, gélida como uma valsa e calçada com as sapatilhas do balé, para onde iria depois da segunda parada à esquerda. Supunha que não, ainda que a música prometesse tamanha entrega e segurança, assim como uma reza. Outros motivos a levavam a dançar. Dos quais poucos estavam certos.

Pelas manhãs, logo às 7h, tomava o ônibus com os ouvidos grudados no fone do walkman. Quer dizer, mp3 ou mp4, talvez mp5, algo desta natureza, acompanhando a tecnologia bélico-industrial de sua era. Escutava o violão de Baden Powell, “tristeza on guitar”. Havia tristeza no instrumento e no samba alheio. Menos no seu próprio sistema circulatório. Bem que ela percorria. Nada!

Viver em paz: tédio demasiado para os tempos do rude trabalho, já diziam os poetas declamados pelo locutor no programa da madrugada.