
Elas só estão perdidas
Ainda há tempo"
Criolo Doido
Percorria as estações de rádio como quem procura uma voz mansa, em sintonia aplacada com um tempo passado. Encontrava de balada a samba canção, como se tudo ainda seguisse. Mas o que desejava era um repente, um repique, um ronco de cuíca que fosse. Não importaria se de outrora ou vindouro, bastaria ser.
Sob o embalo do fundo musical, em nada mais pensava que não fosse pessoas. No que elas aspiravam para suas vidas. Saber-se-ía até mesmo se essa gente toda andava a buscar sentir! Algo que não fosse tão estranhado da vida.... Seria?
Múltiplo jogo de palavras em sua mente. Quanta irritação diante de modos secos e tão prestativos! Alterava novamente o tom da melodia, numa inquietude, como se quisera fugir de suas próprias intenções. Um grunhido pelas ondas, no momento em que o dial passou pelo ar sem voz humana, a despertara por poucos segundos. Piscou para o pensamento.
Pensar nas pessoas, logo em seguida do entusiasmo, provocava-lhe arrepios de asco e nervo. Não sabia como agir. Cobrava-se muito. Mas a frieza estava entranhada em seu pulmão escuro, assim como a fumaça do cigarro de ontem. E não seria ela apenas a sentir tamanha estranheza. Nas notícias do rádio, outrem se acometia do mesmo mal, todos os dias.
O mais puro e fraternal sentimento estava em voga e sob eterna disputa, no folhetim e também na propaganda eleitoral, ainda que os hábitos da prática o dispensassem. Mas o que a encabulava, de fato, era a incapacidade de amar e até mesmo de sofrer, como idealizaram os românticos da literatura. Nada que lera serviria? Tudo estava ausente. Tudo alheio. Mentira! Muitas de suas observações manifestavam-se em si mesma, tal como o ar e os resíduos sólidos.
Evitava o calor enquanto mudava a sintonia das rádios. Não suportava mais ouvir “só sei dançar com você/isso é o que o amor faz”. O amor faz dançar? – perguntava-se, em suspiros, gélida como uma valsa e calçada com as sapatilhas do balé, para onde iria depois da segunda parada à esquerda. Supunha que não, ainda que a música prometesse tamanha entrega e segurança, assim como uma reza. Outros motivos a levavam a dançar. Dos quais poucos estavam certos.
Pelas manhãs, logo às 7h, tomava o ônibus com os ouvidos grudados no fone do walkman. Quer dizer, mp3 ou mp4, talvez mp5, algo desta natureza, acompanhando a tecnologia bélico-industrial de sua era. Escutava o violão de Baden Powell, “tristeza on guitar”. Havia tristeza no instrumento e no samba alheio. Menos no seu próprio sistema circulatório. Bem que ela percorria. Nada!
Viver em paz: tédio demasiado para os tempos do rude trabalho, já diziam os poetas declamados pelo locutor no programa da madrugada.