segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

impotência

sequer escrever é possível quando o que se enfrenta é uma enorme tempestade. na falta de uma metáfora mais original, o que resta é a angústia e o medo de tudo ser dor. tenha envolvimento, me dizem. mas é como se a intensidade uma hora bastasse a si mesma, sozinha, em outro espaço que não o meu próprio. em que abismo nos jogamos todos os dias?

domingo, 12 de dezembro de 2010

celebrar o quê?

Na passagem de era, esquecemos que a datação é gregoriana. Quando queremos celebrar o novo, nos choca a realidade de sempre. O mal-estar está presente. E o que temos a ver com isso?

O que buscamos é valorizar nossos próprios sentidos e experimentações. Vale o prazer. Os sentidos do popular. Nós somos o popular. É o poder de nosso povo que gostaríamos de reiterar. Mas, enfim, quem é esse grupo de seres humanos que passa de mais subjugado a mais valorizado em questão de décadas?

Alguma cartilha do sistema financeiro descobriu o pensamento daquele intelectual que gostamos tanto. E de humanidade cobriu seu contrato. O Banco, que se escreve com inicial maiúscula, fabricou em letras diminutas nossa saga. Antes, porém, apropriou-se do que havia dela, genuinamente. E nossos líderes, nem sempre escolhidos, dos mais aos menos carismáticos, consentiram, em nome de um mundo paradoxal que até pode entrar em ebulição, mas não deve ruir. Custe a reserva que custar.

Onde estará, a essa altura, o que queremos celebrar?

Palavras, mitos, canções e protestos: tudo está guardado, reprimido, transformado em pseudo-atividade libertária. Mas já foi surrupiado. E para que possamos seguir valorizados, protagonizamos, em narrativa contrária e agônica, nosso próprio assassinato.

Como se não bastasse, acordamos do sonho inquieto cultivando dizeres. Nomeações perfeitas desse ou daquele conceituador. Em um efeito similar ao jogo de dominó, definimos uns pelos outros os limites de nossa liberdade, nossa impotência, nossa negação.

E não se pode falar em "massa", não, foi proibido! Ora, mas como é que se cogita qualquer natureza de "atomização", quando todos nós nos sentimos tão críticos?

movimento involuntário

dizer de uma forma amontoada, sem motivos

entulhar palavras em traçados

tão curtos, estritos

alinhamento impossível!

breves rascunhos

letras jogadas, uma a uma,

sem preocupar com rima

ou métrica

emparelhar, apenas

depois apagar

quiçá rasgar o papel

a tudo desaguado

assim, resolvido.

sábado, 11 de dezembro de 2010

fiquei preocupada

Ouvi de um estudante de Jornalismo que "a Filosofia está superada". Ele diz não gostar de teoria, ainda que tenha começado a vida acadêmica nas Ciências Sociais. Perguntei se esse era um pensamento comum entre os sociólogos - pois supus que ele poderia estar, grosso modo, repetindo uma certa rivalidade entre departamentos. Ele disse que não, que sequer interessou-se pela primeira graduação. Aliás, não chegou a terminá-la. Não aguentou Caio Prado, Florestan, Ianni e FHC. Era muita teoria da dependência pra seu ímpeto de soberania.

O tom de sábia pseudocrítica prosseguiu:

"Mas vocês lá no NUCCA estão lendo McLuhann? Tão ultrapassado quanto a teoria matemática!".

Sim, estamos. Ler não é acender velas. Núcleo de Criação de Conteúdos Audiovisuais fez um compromisso de abandonar o preconceito. Ler de tudo. Ler todos. Tirar ideias de onde elas foram formadas.

"Não me digam que vão ler Kant também?"

Se for o caso... Por que não?

Então o diálogo não teve continuidade. As minhas frases eram longas demais para a impaciência do garoto, que me interrompia a cada três segundos. Há muito deixei de me interessar pelas pessoas que sabem de cor o sobrenome de meia dúzia de grandes autores e isso lhes basta para viver. Mas, confesso que fiquei bastante intrigada com a plena síndrome de Deus do rapaz.

Como é que todo tipo de texto deixou de fazer sentido a ele? Quem lhe contou que a "Flosofia está superada"? Se a aversão a todo e qualquer legado da produção de conhecimento é completa, qual é a "fonte" que lhe forma a visão de mundo? Faz parte do ethos da profissão de jornalista tamanhos esvaziamento e arrogância? Quantos livros ele leu na vida para ter coragem de dizer isso? A satisfação consigo mesmo lhe custa o quê? Esse tipo de comportamento que nega os passos do próprio ser humano em seu longo caminhar compreensivo é uma marca dos tempos que mudam?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

la razón


Consciência
*

A consciência é onipresente
às vezes a sinto no peito
mas também está nas mãos
na garganta e nas pupilas
nos joelhos e nos pulmões
mas a consciência mais consciência
é a que se instala no cérebro
e ali ordena proíbe festeja
e até recorre interminavelmente
aos arquipélagos da alma

a consciência é incômoda
impalpável invisível mas incômoda
usa a censura e as bofetadas
as penitências e o sossego
as recompensas e os paradoxos
os gestos luminosos e libertários
mas a consciência mais consciência
é a que nos aperta o coração
e vaga pelos canais do sangue

Mario Benedetti


*O poema “Conciencia” foi retirado e traduzido livremente de “El mundo que respiro” (Buenos Aires: Seix Barral, 2000). Traduzi Mario, que traduziu meu racio-namento.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

"não mais existe..."

O fato de a grande maioria da população aceitar e ser levada a aceitar essa sociedade não a torna menos irracional e menos repreensível
(Herbert Marcuse, 1964)







Abstrair esse fato equivale, na prática, a negar a existência histórica das classes sociais e da própria luta de classes - o que já é por si só o mais claro indício de como interesses e posições de classe podem coagir, ideologicamente, as formas da consciência...
(Rodrigo Dantas, 2008)




Foto: Urbano Erbiste, repórter fotográfico.
Retirada sem permissão do site: http://urbanoerbiste.blogspot.com/ Copyleft!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

surdomudez (mudando de prosa)

O que seria de nós, que endossamos a pouco criativa "opinião publicada", sem os fatos agendados, o espetáculo e a matança para comentar?

Referendamos a nossa própria "pseudoatividade" nos espaços da rede – que “devem ser” para o debate livre, desde que não haja debate, de fato.

?

estar no mundo, uma resposta

Sempre que eu assumo, “estou em crise”, vem me consolar alguma pessoa muito preocupada e carinhosa. Que bom, querem meu bem, certo?! Pois então lhes digo, sob pena de parecer ingrata ou orgulhosa: não é o caso de necessitar consolo - uma vez que o consolo é penoso e paliativo enquanto a crise é permanente e, quiçá, libertadora.

A crise é estar no mundo, simplesmente.

E digo mais, sob pena de parecer arrogante: por trás do consolo bem intencionado, pode estar camuflado um temperamento totalitário, daqueles que sequer aceita os próprios dramas (quanto mais o dos outros).

Me perdoem!

Se o ser humano não se dá ao luxo de viver uma crise, parabéns, alcançou a “maturidade”! Sorri e segue em frente. Talvez um dia eu consiga. No entanto, se não se vive a divisão do “parto” (o professor Joel Ulhôa me ensinou que krísis, do grego, também quer dizer “parto”), não renasce mais, não se revê. Está certo (a) de tudo. Deixou de compreender os inconformados; tem pena dos que se sensibilizam. Esse ser, não aceitando estar à deriva, protegeu-se forçosamente dentro do grande peixe, como um Jonas bíblico.

Também lamento, mas não consolo.

sábado, 27 de novembro de 2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

contra a assepsia

Prólogo

Logo depois do resultado das eleições presidenciais, uma chuva de comentários preconceituosos, tortuosos, limitados, violentos, xenófobos e algo mais emporcalhou a rede, atribuindo a "culpa" da vitória da candidata do Partido dos Trabalhadores aos "pobres" do Norte e do Nordeste. Pude acompanhar, com vergonha e revolta, algumas dessas opiniões no Twitter e no Facebook. E resolvi me manifestar.

Ainda que eu tenha defendido o voto nulo durante todo o processo de pleito, por considerar que esse sistema de representação não é tão democrático como supomos, sei que esse resultado é legítimo e também é o "menos pior" que poderíamos ter. Se foram os estados das regiões Norte e o Nordeste que elegeram Dilma (sabemos que não foram apenas, mas...), o fizeram muito bem; com consciência de classe. Parabéns ao povo brasileiro!


Contra a assepsia da opinião

A burguesia pensa que foi bem formada só porque estudou em colégio pago e fala 3 idiomas. Mas é justamente aí que está o engano: falta autocrítica, falta olhar para a história, falta compaixão. Isso ninguém ensinou!

Insinue que um burguês é "ignorante" e veja a selvageria se revelar! A pseudocultura foi dura com ele, pois o fez comprar livros e perder o estímulo à própria leitura; o fez reunir bens simbólicos, como mercadorias, e também sucumbir ao próprio fetiche de tentar parecer um fatídico e já morto aristocrata. Muita lástima para uma alma degradada e copiosa que investiu tanto, mas que, contraditoriamente, pouco "acumulou".

No Brasil, a elite do Centro-Sul nega o Nordeste, nega o Norte, nega que os pobres possam ser lúcidos ao fazer suas escolhas e conduz a cultura popular ao status de exótica e desfrutável. Quando, em verdade, está a negar sua própria brasilidade, sua própria história de migrante, a dor da origem colonial, a violência do parto bandeirante e, no presente, sua própria impotência ao escolher.

Além de estar perdendo a hegemonia (assim, pelo menos, eu espero), a burguesia do Centro-Sul também está a revelar a dupla-face de sua boa educação: fascista, ignorante, violenta, individualista e totalitária. Diz que não é partidária, ignora a militância, faz questão de expor seus desejos de paz e assepsia, mas também mostra toda a consciência de classe que nunca teve: a consciência dos que defendem a riqueza - e para poucos!

Mas, não vamos estimular ainda mais a violência. "Vamos pedir piedade..." e perdoar essa gente que não sabe o que diz, pois se fez surda, cega e sem sensibilidade. Vamos, sim, seguir na luta, simbólica e cultural, por uma educação verdadeiramente popular! E a história se encarrega do restante.

sábado, 9 de outubro de 2010

secura

A racionalidade me secou. Sem entusiasmos, sequer sei ligar o gravador. Travei na entrevista. Diante de um senhor que diziam ser o “mito” da Filosofia da História, sucumbi. E não tive ganas de vencer as mãos suadas e nem a mania de pequeneza. Não logrei ser intrépida repórter. A escolha dos 17 anos me traiu. Não existe mais, em verdade. Não consigo fazer perguntas vazias, nem preenchidas. Nem profundas, nem rasas. Tanto faz. Sem poupar o figurão, somente para ter uma página no jornal? Não. Mas essa não era a questão. A questão é que eu tive medo e pouca força para vencer o medo. E só.

Sequei também com os amigos. Não suporto mais nem os modernos e nem os pós-modernos. Tudo muito pesado. Não consigo falar só de marido e nem só de espiritualidade. Nem só de política e nem só de universidade. Discussões políticas, aliás, partem frequentemente para a ignorância. Problemas dos outros até que escuto, mas logo me lembro da terapeuta e aí... começo a “psicologizar” a conversa. O que não é agradável. Mais uma vez, com uma racionalidade seca, dura, pendente de sentimentos. Sentimentos que tento segurar, pela primeira vez na vida.

Hoje olhei para o rosto da minha mãe, ela está envelhecendo. Essa é minha grande preocupação do momento. E também tento conversar com meu pai algo além de Dilma versus Serra – afinal, essa é uma efeméride. Queria falar também das minhas angústias, mas não dá muito certo. Falta tolerância de alguma parte. Suspeito que seja a minha. Comigo mesma.

E tem mais coisa que dói (e aí, a essa altura, confundi a secura com a dor; ainda que venha tentando manter a apatia). Dói o coração, o peito, os cabelos, o pescoço, os olhos. Cortei o cabelo para ver se me animo. Talvez adiante. Ele não está aqui. E talvez nunca tenha estado. E o que fizemos para mudar? Padecemos. A distância insistiu por secar a orquídea, tão difícil de sobreviver. Mas, vai ver que nada disso importa, de fato. Estou seca. E a razão me consome. E é isso aí.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

nulo, sem graça e sem pontuação

não sabemos votar não sabemos escolher não sabemos sequer separar "competência" de "discurso" estamos imersos em uma política feita pelo marketing político e nada mais queremos quem tem mais firmeza para nos tutelar Hitler também tinha ou então pensamos que a vida em sociedade é igual a uma empresa e precisa de gente "competente" para administrar para não falir para pagar bem os funcionários para não faltar água etc ou em proporções maiores para garantir os direitos sociais escolhemos conforme o custo-benefício mantemos além da relação de tutela uma relação de cliente com o Estado e tirando o fato de uma ou outra sensação de mudança estar presente em verdade é uma grande crise que nos rege e nos alimenta o capitalismo é a própria crise e dizer isso é tão clichê quanto rir disso a direita rumo ao social e a esquerda rumo ao capital para salvar o planeta representam essa crise em três vias terceira via que se camufla ora no discurso da mudança ora no da continuidade é um grande paradoxo em verdade só queremos viver um dia após o outro ou melhor dizendo manter tudo como está porque é isso que nos faz discutir eleições querer que tudo fique como é inerte não queremos perder a estabilidade ainda que ilusória enfim desânimo nosso anularei o voto pois simplesmente devo ser verdadeira comigo e se escolher qualquer candidato estarei mentindo pois não penso que esse modelo pseudo-democrático de pseudo-escolha presidencial um modelo aliás que nos foi imposto como mito de boa governança de fato possa reger a vida das pessoas FMI Banco Mundial Fulbright Ford Dassault Vivendi-Universal etcetcetc já fazem isso

domingo, 12 de setembro de 2010

puesto que siempre ha sido lo que es...


Miren cómo sonríen
los presidentes
Cuando le hacen promesas
al inocente.

Miren cómo le ofrecen
al sindicato
Este mundo y el otro
los candidatos.

Miren cómo redoblan
los juramentos,
Pero después del voto
doble tormento.

Miren el hervidero
de vigilante
Para rociar de flores
al estudiante.

Miren cómo relumbran
carabineros
Para hacerle premios
a los obreros.

Miren cómo se visten
cabo y sargento
Para teñir de rojo
los pavimentos.

Miren cómo profanan
las sacristías
Con pieles y sombreros
de hipocresía.

Miren cómo blanquean
mes de María
Y al pobre negrean
la luz del día.

Miren cómo le muestran
una escopeta
Para quitarle al pobre
su marraqueta.

Miren cómo se empolvan
los funcionarios
Para contar las hojas
del calendario.

Miren cómo sonríen,
angelicales,
Miren como se olvidan
que son mortales.




Los conquistadores - arpillera

terça-feira, 7 de setembro de 2010

emancipação e (para o) culto

“O historiador italiano Carlo Cipolla, em seu estudo Letramento e desenvolvimento no Ocidente (1969), deu ênfase à contribuição da capacidade de ler e escrever para a industrialização e, mais genericamente, para o “progresso” e a “civilização”. Sugeriu que “a difusão da capacidade de ler e de escrever significa... uma atitude mais racional e mais receptiva diante da vida”. O trabalho de Cipolla é representativo de uma fé na “modernização” típica de meados do século XX, crença subjacente às campanhas de alfabetização organizadas pela Unesco e pelos governos de países do Terceiro Mundo, como Cuba”.

BURKE, Peter & BRIGGS, Asa. Uma história social da mídia. RJ: Zahar, 2006. p. 14






“O novo Citroën incontestavelmente cai do céu, na medida em que se apresenta, de imediato, como objeto superlativo. É preciso não esquecer que o objeto é o melhor mensageiro da sobrenaturalidade: há facilmente no objeto ao mesmo tempo perfeição e ausência de origem, fechamento e brilhância, transformação da vida em matéria (a matéria é bem mais mágica do que a vida) e, em suma, um silêncio pertencente à categoria do maravilhoso”.

BARTHES, Roland. Mitologias. RJ: Difel, 2003. p. 142.




segunda-feira, 6 de setembro de 2010

"contra os que têm resposta para tudo"

Elaboramos bem o discurso
para justificar a falta de entrega para com as experiências,
o outro,
para com nossa própria (des)identidade.

Nos tornamos frios como solução para nossas misérias - internas e externas.
Assim passamos a crer, severamente, em autodefesa.
Assim escondemos nossas fragilidades, principalmente, de nós mesmos.
E buscamos a liberdade que, em verdade, é dominação.

Alguém já disse: liberdade e dominação pressupõem autoconhecimento
e autoconhecimento pressupõe mitos abundantes do que já foi desencantado.
E o que foi desencantado é que produz respostas.
E são essas respostas para tudo o que buscamos todos os dias,
quando nos justificamos
ou agimos de modo orientado
a nos justificar.

Somos uma enlameada retórica.

O que devemos ser?
Talvez um caramujo, movendo lentamente, balançando as antenas devagar.
Devagar nesse mundo?

Sabemos, talvez, o que não é,
que parece ser.
E isso nos conforta, importa, nos faz soltar palavras.
Vazias, por sinal,
sem experiência.
De algo que vivemos, mas não sentimos.
Nem concretizamos.
Que idealizamos com carinho e perfeição,
mas executamos nas bases da dominação.

Repeteco!

Porque é a dominação (de novo!) a mesma a nos formar e deformar.
Nos faz estarrecidos e ilude.
E quando "descobrimos" tudo isso, o que fazemos?
Nada.

Ainda não descobrimos,
já que descobrir requer crença
no mito da descoberta.
E cremos nesse mito,
mas é melhor
para a nossa autojustificativa
dizer que não cremos.



Nota: Este texto é uma interpretação livre da Dialética do Esclarecimento, que Theodor Adorno e Max Horkheimer publicaram em 1947; obra que gosto muito, que ainda compreendo pouco e que me influenciou bastante nos últimos tempos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

eleições frenéticas

Quando a gente vota, quem escolhe?

"
A importância das eleições presidenciais, com ou sem fraude, é relativa. As decisões que afetam Honduras são tomadas primeiro em Washington; a seguir, no comando militar norte-americano no Panamá; depois, no comando da base norte-americana em Palmerola, aqui em Honduras; em seguida, na Embaixada norte-americana em Tegucigalpa; em quinto lugar vem o chefe das forças armadas hondurenhas; e, apenas em sexto lugar, aparece o presidente da República. Votamos, pois, em um funcionário de sexta categoria quanto ao poder de decisão. As funções do presidente se limitam à administração da miséria e à obtenção de empréstimos norte-americanos."

Ramón Oquelí, historiador hondurenho, citado por Atílio Boron.
Em: Império & Imperialismo, p. 98.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

gonorãnça

Não sabe o que quer. Quer dizer. Se sufoca. Não se move. Não se desfaz. O fogo arde. Arte. É intenso. Convivência real. Dificuldade é também. Porque se busca. Experimenta. A duras penas, deve valer. Alguma pena. Inventa e brinca. Tal qual criança. De madura, só a cicatriz. O verbo existe. Não é implacável. O fim em si, talvez. Interpreta o poema com uma descabida e indiscreta licença poética. Que constrói rima pobre. Pobre de vida. Não quer aparecer. Quer aparecer por demais. Age. Sonha. Odeia agir e sonhar. Questiona-se. Se vira em Bernardo. São Marias.
Pirlimpsiquices. E o que se leva é a lição. Da cara, de cara, do peito, da dor, do meio riso, do tédio, do mal humor, do pensar e repensar. O que for, o é. E o doce de um único suspiro pode ser guardado. Dentro de uma Barsa. Não vá, não nos deixe tão prematuramente. Apesar de que, vontade é vontade. E qualquer que seja, melhor respeitá-la. De uma vez. O medo. É que o grito, de tão individual, tornou-se mudo. Somado à técnica, ao dizer, aos modos de ser, às repetições, ao molde, converteu-se em poder. Manjado de tudo. Não é o que se quer.

domingo, 22 de agosto de 2010

fogo, ar, terra, água... fogo

Pés e picadas de mosquito: combinam.
Rostos marcados pelo vento
fortemente frio.

Terra debaixo das unhas.
Sol rachando as nucas. Omni congelante.
Ossos resistentes.

Cheiro de mel nas flores.
Bem menos que da outra vez.
Pássaros anunciando o fogo no pé da serra. Animais em polvorosa.



Fogo ardente também entre as pessoas
Marcas de convivência.
Respirar fundo.

Folhagem seca
Se desfaz, poeira...

E o mais forte se transforma
Adubo.
Depois, fotossíntese.

Alma se lava com Cerrado.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

impressões

Não é a toa que na capital federal não se anda a pé. Não há acesso facilitado a pedestres naquela cidade. O "futurismo" da construção era, em verdade, fordismo. O "escritório executivo do capital" tinha realmente de ser planejado com muitas retas. O traçado da coerção, disfarçado de vida plana. Para decolar, somente o piloto do consenso, impregnado em cada quadra. E os privilégios de uma classe A de burocratas, "representantes" do cidadão, estão o tempo todo escancarados no Iguatemi ou em qualquer zona da Ceí. O assessor de imprensa do Banco Central está preocupado com a Wikipédia, pois as redes sociais são meio "anárquicas". O taxista sonha em frequentar os clubes granfinos: "pode entrar qualquer um, não importa a classe social, desde que tenha dinheiro". E o flanelinha que conseguiu chegar até a Asa Norte é um vencedor. Brasília: além de odiá-la por uma série de motivos - dizem por aí - "ideológicos", sou goiana!

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

mais uma nota sobre o avanço

Tecnofilia, doença infantil

por Bob Black


"Se o patriotismo é, como disse Samuel Johnson, o último refugio de um canalha, o cientificismo é desde já o primeiro. É a unica ideologia que, agora em versão cibertola, projeta a aparência e a sensação de futuridade enquanto conserva atitudes e valores essenciais para manter as coisas exatamente como estão. Continue zapeando!

A afirmação abstrata de "mudança" é conservadora, não progressista. Ela privilegia toda mudança, aparente ou real, de estilo ou substância, reacionário ou revolucionário. Quanto mais as coisas mudam - em especial as que mudam - , mais elas continuam iguais. Mais rápido, mais rápido, Speed Race! ( mas continue andando em círculos).

Pela mesma razão, privilegiar o progresso também é algo conservador. O progresso é a noção de que a mudança tende ao aprimoramento e de que o aprimoramento tende a ser irreversível. Contratempos locais acontecem quando a mudança é interrompida ou desviada ("o éter", "flogisto"), mas a tendência secular é avante (e secular). Nada dá muito errado por muito tempo, então nunca ha um motivo importante para não continuar fazendo o que se está fazendo. Vai dar tudo certo.

Como um jurista já disse em outro (porém assombrosamente similar) contexto, as rodas da justiça giram devagar, mas moem direitinho."



Texto retirado de República de Fiume


sábado, 31 de julho de 2010

num é que é?!


"A juventude é inteligente, a cabeça da juventude é uma bola de ouro.
Agora, não sabe do nosso histórico.
Não sabe de regionalismo.
Tem o anel no dedo, tem estudos sociais, mas não aprendeu sobre a casaca de couro, o sarapó e o cascudo.
Não sabe de nada do que aconteceu com nosso pai,
avô, bisavô, tataravô e escanchavô.
A juventude é analfabeta em regionalismo!"

Galvão do Juazeiro




Fotografia de Vinícius Batista, companheiro de reportagem.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

para constar



Como é antiga a novidade!



Recorte retirado do jornal Cinco de Março; alguma edição de 1978.
Fonte: Arquivo Histórico de Goiás.

sobre um ontem

Posso ter sido enganada,
mas os meus pés precisam mais de mim
agora.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

vamos dar uma voltinha?


Estamos certos do que somos.
Por essência: críticos.
E ponto. Isso é muito evidente.


Com tantas certezas, chega a dureza.
E julgamos, embrutecidos.


Quando olhar para dentro é o que dói tanto...


Então o despertador toca
e nos lembramos...
Hoje é dia!


De autocrítica.



Imagens: René Magritte.

terça-feira, 20 de julho de 2010

UFG: 1964 a 1973

Nota preliminar: As versões oficiais desta matéria podem ser lidas em Jornal UFG ou em Jornal UFG on line





Reforma universitária, modernização e silêncio

Entre as décadas de 1960 e 1970, a UFG passou pela etapa da consolidação, tanto física quanto estrutural. Contudo, ao mesmo tempo em que crescia, também era desaparelhada. O Câmpus Samambaia nasce nesse contexto


Em oito de maio de 1964, uma portaria assinada pelo professor Colemar Natal e Silva, então reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), afastava do cargo o professor Gabriel Roriz, diretor da Escola de Engenharia. Gabriel, dias antes, emitiu ofício ao reitor repudiando a Portaria n° 61/64, da Presidência da República, que demitia três outros docentes do curso. Ele não apenas deixou de cumprir a ordem vinda de cima, como também ordenou que Marcelo Cunha Moraes, Paulo Emílio Fogaça e Rodolfo José da Costa e Silva continuassem em classe. Ainda, pediu que tamanha decisão fosse tomada pelo Conselho Universitário, criado em 1961, e não por um decreto. Na sequência dos fatos, nova portaria restituiu o cargo do professor, sem explicações.

O caso de Gabriel Roriz é um entre muitos. No mesmo ano em que o Exército instaurou, por meio de golpe, a regência militar no país, grande parte dos atos decisórios da UFG, publicados em boletins internos, diziam respeito a: redução de quadro de pessoal, demissão “por justa causa”, afastamento de funcionários, abertura de comissão de sindicância, entre outras medidas disciplinares. E assim ocorreu até meados de 1970.


Quem auxiliou a reportagem do Jornal UFG na localização dessas portarias foi o servidor técnico-administrativo aposentado Armando Honório da Silva. Admitido em 1967, lembra-se bem dos dilemas de Colemar Natal. Ainda que o reitor assinasse todos os termos, “no uso de suas atribuições legais”, o servidor garante que ele o fazia contrariado. “Tanto é que foi afastado logo em seguida”, justifica.


De todo modo, Colemar Natal e seus dois sucessores, Jerônimo Geraldo de Queiroz e Farnese Dias Maciel Neto, cada um a seu modo, em maior ou menor grau, com mais ou menos consequências, foram porta-vozes dos generais em um projeto que, de 1964 a 1973, alavancou o crescimento das universidades recém-criadas, mas também retirou de cena a orientação humanista e política do ensino superior brasileiro. Ainda, eliminou dessa conjuntura de construção coletiva a participação de lideranças que, conforme apontamos nas edições anteriores (Jornal UFG de maio, nº 36, e de junho, nº 37), foram essenciais para a criação dessas jovens instituições.


A estratégia, para tanto, tinha dupla face: investir e reprimir. Foi na década de 1960, por exemplo, que nasceu a Escola de Agronomia e Veterinária, na Fazenda Samambaia, o Planetário, com seu maquinário alemão de ponta, a Rádio Universitária, pioneira no Brasil, o embrião do Sistema de Bibliotecas e boa parte dos cursos da UFG, como Jornalismo, Química, Geografia, História, Letras, Matemática etc. Por outro lado, dispositivos legais como o Decreto nº 477, de 1969, conhecido como “Lei Suplicy”, estreitavam o cerco contra as opiniões divergentes e previam severas punições contra questionamentos feitos no âmbito do espaço acadêmico.


Como bem definiu a professora Célia Maria Ribeiro, aposentada do curso de Ciências Sociais, em artigo publicado na revista UFG Afirmativa (nº 3, de setembro de 2009, páginas 48-50, disponível em www.ufg.br), o período foi de “continuidade na descontinuidade”. Continuidade no projeto desenvolvimentista iniciado nos anos Kubitscheck, que tinha como uma das bases o investimento no saber técnico-científico; descontinuidade no processo de mobilização popular e estudantil que vinha sendo consolidado ao longo da década anterior.


Política da neutralidade


Em 1962 a UFG realizou seu primeiro seminário de planejamento, de onde saiu a proposta de construção da Cidade Universitária. Esta seria organizada em institutos que teriam, por sua vez, um sistema de créditos articulado entre cursos de áreas afins. Foi definida a criação dos institutos de Matemática e Física (IMF), Industrialização Farmacêutica e Bioquímica (IIFB), Ciências Humanas e Letras (ICHL), Biologia (ICB), Pesquisas Sociais e Políticas (IPSP), além do Centro de Estudos Brasileiros (CEB). Acreditava-se que a Cidade Universitária, juntamente com o sistema de créditos, uniria estudantes e professores.


Quando da reforma universitária de 1968, proposta em âmbito nacional e executada pelo reitor Jerônimo Geraldo de Queiroz, o esqueleto do projeto foi conservado, contudo, sem a presença, no núcleo curricular básico das graduações, de disciplinas como Sociologia Política ou Teoria Econômica. Além disso, o IPSP e o CEB nunca chegaram a entrar, de fato, no rol dos institutos.


O CEB foi criado em 1962 por sugestão de Darci Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília (UnB), e do filósofo português Antônio da Silva, chegou a funcionar regularmente, com os cursos de Estudos Brasileiros e Literatura de Goiás, e a publicar uma edição dos Cadernos de Estudos Brasileiros, além de realizar uma exposição internacional de livros. Entretanto, encarado como uma extensão do Instituto Social de Estudos Brasileiros (ISEB), o CEB foi fechado em outubro 1964, depois da publicação do Ato Institucional nº 1. Gilberto Mendonça Teles, seu diretor, e Bernardo Élis, seu vice-diretor, considerados “comunistas”, foram imediatamente afastados da UFG.


A derradeira ação da “reforma universitária” foi a transferência dos institutos para o Câmpus Samambaia, que inicia suas obras em 1971, já no reitorado de Farnese Dias Maciel Neto. Estudada nos mínimos detalhes, a construção da Cidade Universitária nas imediações da fazenda onde funcionava a Escola de Agronomia e Veterinária (EAV) foi consagrada como um advento oportuno e tecnicamente perfeito, uma vez que, com o crescimento urbano, não seria viável que a UFG permanecesse espalhada pelo centro de Goiânia. Contudo, a professora aposentada Célia Maria Ribeiro lembra, em seu artigo, da atrofia democrática que esse afastamento representou: “Servia também para sufocar”.

A breve história do 4º Poder

Em 1962, o parque gráfico da UFG foi inaugurado e, com ele, o jornal 4º Poder. Por pouco mais de um ano, a publicação mensal ganhou leitores em toda Goiânia, tratando de temas como transporte coletivo, movimento sindical e reforma agrária. Em 24 de fevereiro de 1964, por exemplo, uma matéria publicada com o título “O que é latifúndio” explicava, de forma didática, as consequências de haver grandes propriedades de terra no país. Internamente, buscava problematizar. Questões delicadas para a administração, como a crise financeira que quase levou o Hospital das Clínicas ao fechamento, também apareciam, conforme revela a manchete de 30 de junho de 1963: “Corte no orçamento da jovem universidade em 78%”.

Na transição turbulenta de João Goulart para Humberto Castelo Branco, o 4º Poder tentou manter-se imparcial – ainda que não fosse possível. A edição de três de maio de 1964 trouxe análises jurídicas sobre o golpe militar, que o jornal preferiu chamar de “revolução”. Os juristas entrevistados, Miguel Reale, Vicente Rao e Basileu Garcia, além do professor Carlos Medeiros Silva, foram unânimes em considerar “legítima” a tomada do poder em 31 de março. Somando-se a isso, estava uma matéria completa sobre a vida e a carreira de Castelo Branco, para que o leitor conhecesse seu novo regente.

A equipe do jornal 4º Poder tinha planos: se possível, transformaria suas edições mensais em diárias. Não adiantou. Há indícios de que essa tenha sido a última edição da publicação. No lugar, a imprensa oficial da UFG passou a editar uma revista científica, com artigos produzidos pelos mestres da instituição. O 4º Poder sequer foi conservado. Muitas edições se perderam e, na década de 1980, foi encontrado pela professora Célia Maria Ribeiro, aos montes, jogado debaixo das escadas do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). As edições mencionadas nesta reportagem foram cedidas pelo Arquivo Histórico do Estado de Goiás.


No jornal Cinco de Março, UFG é anúncio publicitário


Em 1968, a UFG estava no jornal. Não como cenário retratado, palco de um debate inflamado entre os estudantes de Direito e seus professores, conforme se acostumou a ver em outras latitudes, mas sim nos moldes de anúncio publicitário. Em algumas edições do emblemático Cinco de Março, encontradas no Arquivo Histórico do Estado de Goiás e referentes a esse período, está impressa, no canto de alguma página central, a pequena “colmeia” inscrita em uma figura piramidal que lembra um “foguete”, o antigo símbolo da instituição. Além disso, eram notícia as moças dos cursos de Artes ou de Letras, com seus poemas bucólicos e saudosistas, ou os “homens cultos de Goiás”, comentados nas colunas de Geraldo Vale.

Cinco de Março
, a propósito, surgiu depois de um motim estudantil em 1959, com a promessa de ser um jornal militante. No intermédio 60-70, contudo, os exemplares do periódico revelam uma contradição bastante comum na história da imprensa brasileira: em 1968, preso Batista Custódio, seu maior representante; “um grito de silêncio” escancarado no quadrado branco no centro da capa; protesto em forma de poema assinado por Brasigóis Felício e, na sequência, uma série de anúncios de empresas ligadas ao governo do estado, como Caixego e CELG.

Em ano de copa do mundo e de conquista do tricampeonato, não se sabe ao certo se porque o Estado era coercitivo ou porque também investia, a edição de 22 de junho de 1970 agradecia ao então presidente Médici: “Um viva a Garrastazu e à Embratel”. E a reportagem dizia que o Brasil estava orgulhoso de ter podido ver os jogos da seleção pela TV, em uma experiência inédita: “É o milagre da técnica, repetem muitos, a maioria até sem compreender direito essa história de imagem via satélite”.


O reitor nos suplementos literários


A literatura foi um tema recorrente nos jornais da virada de 1960 para 1970. No entanto, era tratada como diletantismo, descolada da política e da vida social. Nos suplementos literários de O Popular, nomes consagrados da prosa goiana, como Carmo Bernardes, ou estudantes da UFG faziam enormes resenhas sobre Herman Hesse, Lima Barreto, Gabriel García Márquez, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, entre outros, sem dar mostras da visão crítica desses autores. Vale lembrar que são textos interessantes de se ler, mas que guardam marcas do contexto histórico em que foram produzidos: os pesados anos da censura.

Jerônimo Geraldo de Queiroz, professor da Faculdade de Direito, foi um dos colunistas cativos desses suplementos, escrevendo sempre sobre educação, progresso econômico e desenvolvimento humano. Senhor conservador e de texto afiado, sempre deixou claro seu posicionamento favorável às “revoluções” encampadas naquele contexto. Em 8 de junho de 1969, por exemplo, escreveu, convicto, sobre a importância da formação instrumental: “Sim, a Educação deve ser dirigida para o Desenvolvimento, pré-requisito do Progresso, preparando técnicos para a industrialização urbana e rural; habilitando agrônomos e veterinários, para o aumento da produtividade agropecuária; especializando planejadores, para nossos programas e projetos administrativos”.

Por muitos anos, Jerônimo Geraldo de Queiroz foi o desafeto do movimento estudantil em Goiás e, antes de a UFG ser criada, mostrou-se claramente contrário à federalização do ensino superior. Quando do afastamento de Colemar Natal e Silva, em 1964, foi o primeiro indicado a substituí-lo na função de reitor da UFG, cargo que ocupou de 1965 a 1968.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

em julho...

... as pessoas vão se banhar nas águas geladas do cerrado; o cheiro das queimadas entope os narizes mais sensíveis; à noite, a neblina seca transforma a cidade vazia em cenário de filme noir; o céu estampa seu mais estarrecedor azul; o "Meu" sobe o preço do biscoito frito; o "paioso" Piracanjuba deveria estar seco; e o silêncio me visita.

É este o mês da revisão, da virada, da revoada e do cansaço. Das ararinhas namorando a jabuticabeira - que ainda nem deu flor. Da calmaria entre o tempo e o espaço, em uma manhã que faz abrir mais tarde a flor da roseira. De pouca confusão. De ônibus vazios. Da pitombeira ensaiando um morre-não-morre. De um espírito aplacado pela conformidade. De um leve arrependimento por tanto desengano nessa vida. O resto é silêncio, diria Érico.

(...)

Devo ter lido o Almanaque do Pensamento ainda muito jovem. Fiquei impressionada!


sábado, 10 de julho de 2010

a frieza do mundo

O cara canta uma música estranha, mas dançante. As pessoas se mexem, sem saber direito o porquê. Deve estar na moda. Ele é negro. Diz retratar a periferia de alguma metrópole. Nova York? E, nos seus videoclipes, faz uma mistura de cenas de um cotidiano que insiste em existir. Pó, mulheres com seios fartos, carros caros... e o que mais? Hum. Candy Shop, quando ele acorda, é um drive thru, vende comida rápida. Aquelas roscas açucaradas e aqueles hambúrgueres gordurosos no pacote. Mas, a gente só descobre isso no final da história. 50 cent no país das maravilhas é ele em um bordel de luxo, com mulheres seminuas requebrando.

Ele vem ao Brasil e recomenda à sua produção água mineral estadunidense. Muitos outros "astros" já fizeram o mesmo. Aí descubro, tardiamente, que vem também na minha cidade. E pergunto, sem ligar o nome à pessoa: "Quem é 50 cent"?

Oh, bem que desconfiei! Um Marcelo D2 mais playboy ainda! Alguém que representa o submundo, mas não é o submundo. É a sobrevivência do capital nas classes baixas, médias e altas, disfarçando seu mau gosto no êxtase de uma suposta cultura. A locução do seu nome já indica muito bem quanto vale a diversão.

Vão beber e dançar adoidado no show de hoje, hã? Mas, para quê? Bater o carro, pegar alguém, algo mais? Talvez um vazio sem explicação no dia seguinte. Aqueles típicos dos cinquenta centavos de vida.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

perdi o sono

"Quem quer um pedaço
Um pouco de alguém
Abraçando tem
E ainda mais

Se o abraço for além de um minuto
Aí é fatal
Envolveu

Você tem
Um alguém Total"

semicultura

Ringo Star seria Lady Gaga. A voz do "polvo" é a voz de Deus. Seja radialista e sinta-se em um boteco. Não vá pensando que sou fake. Para fazer stand up não precisa ser ator, basta ser engraçado. A diversão é garantida. A reflexão, nem tanto. O factual entra em pauta. O jornalismo está por aí. O telefone também faz piada. "Pilantropia", definiu a Polícia Federal. Música é notícia. Quem se apresenta no Festival de Inverno? Que felicidade! Cristiano Ronaldo pagou US$ 20 milhões para engravidar uma mulher. "Foi a noite mais cara de minha vida", diz o jogador de futebol, "mas valeu a pena". O livro fala sobre a sabedoria das coisas, travando um diálogo entre o abajur e a lâmpada, comenta, do outro lado da linha, o escritor. Por que temos tanta facilidade para nos preencher? Por que temos tanta dificuldade de olhar para dentro?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

desanuviando



O flâneur é ingênuo quase sempre. Pára diante dos rolos, é o eterno “convidado do sereno” de todos os bailes, quer saber a história dos boleiros, admira-se simplesmente, e conhecendo cada rua, cada beco, cada viela, sabendo-lhe um pedaço da história, como se sabe a história dos amigos (quase sempre mal), acaba com a vaga ideia de que todo o espetáculo da cidade foi feito especialmente para seu gozo próprio. O balão que sobe ao meio-dia no Castelo, sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para alegrá-lo; se num beco perdido há uma serenata com violões chorosos, a serenata e os violões estão ali para diverti-lo. E de tanto ver que os outros quase não podem entrever, o flâneur reflete. As observaçõs foram guardadas na placa sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no cortical. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia, a alma das ruas. E é então que haveis de pasmar da futilidade do mundo e da inconcebível futilidade dos pedestres da poesia de observação... Eu fui um pouco esse tipo complexo, e, talvez por isso, cada rua é para mim um ser vivo e imóvel.

João do Rio, A alma encantadora da rua

terça-feira, 6 de julho de 2010

censura e sufoco

Me sinto, assim, com um travesseiro sobre o rosto e alguma mão bem forte e pesada pressionando-o, cada vez com mais força. A força das palavras cortadas e das versões deturpadas da história. Uma potência de domínio sobre o trabalho. O meu próprio. Força essa violentada. Violência de autoridade, que indica o que deve ou não ser dito, que memória deve ser resgatada e que documento há que se considerar. E o que sufoca mais é que vivemos os tempos de felicidade e liberdade plenas. Aliás, parece que sempre foi assim. O erro está onde querem notá-lo, não? Os incomodados que se retirem, é o que ensinam as entrelinhas em versos populares. E ao se retirar, apague a luz, feche a porta, não deixe rastros.

Não, não há o que reclamar, menina! Esse rosto pressionado é que procura confusão, quer deturpar as linhas retas, tão retas, deveras retas! Conservadorismo, não lhe aguento com essas plumas e essas penas tão fartas, tão delicadas, tão amenas!


Yo no protesto por mi
porque soy muy poca cosa,
reclamo porque a la fosa
van las penas del mendigo.
A Dios pongo por testigo
que no me deje mentir,
no me hace falta salir
un metro fuera 'e la casa
pa' ver lo que aquí nos pasa
y el dolor que es el vivir.
(Violeta Parra)

sábado, 3 de julho de 2010

linguagem vlogueira

Passei uma parte do dia de hoje pensando sobre a escrita enquanto manifestação do pensamento. É a que mais me agrada, talvez porque desde cedo somos estimulados (ou forçados) a gostar de ler e de escrever. Mas, bem ou mal, há muito não é linguagem hegemônica. O que me parece interessante.

Eis que me deparei, então, com esse vídeo, uma série de "aulas populares" dispostas na rede e um grupo grande de gente da minha geração, para mais ou para menos, que aderiu à expressão por meio do audiovisual. Maravilha!

Tudo bem que esses ditos "vlogueiros" não usam todos os recursos que têm. Pelo contrário, falam como se estivessem em sala de aula (e até escrevem no quadro), seguem um raciocínio tão linear que cansa. Contudo, de todo modo, me impressionou bastante a facilidade com que essas pessoas falam em público e diante da câmera. Gostei de ver. Cada um com com sua "desenvoltura". Não perdem o raciocínio, ainda que possam contar com os editores de vídeo.

Desde já, parabéns ao Denis Lee, não concordo com o que ele disse sobre o humor na TV, mas esse é um debate escrito-visionado para outra ocasião.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

diga não à maquiagem!




"Não adianta esconder, a gente existe"! Dispensa comentários. Apesar de que é nessas horas que fico louca para dizer o porquê ainda acredito na Comunicação Comunitária. Mas, enfim, não é preciso entrar em detalhes.

Ôpa, espera aí.

Ainda vale ressaltar: quais são os outros muros, além desse indicado pelo vídeo? Será preciso fazer um esforço, na sua localidade, que certamente não é o Rio de Janeiro, para decifrar quais são os muros? Quais são os lixos e qual é a orquestra que nos impedem de perceber a realidade e, mais do que isso, de negá-la?

Quando tudo parece bem, precisamos esfregar os olhos.

nada vai acontecer, não tema!



"Esse é o reino da alegria". Participo de um seminário sobre educação em rede cuja preocupação das pessoas é, grosso modo, criar ferramentas de mediação aprazíveis e eficazes na formação de seus alunos. A discussão tem lá o seu fundamento teórico e uma vasta gama de boas intenções, mas, pouca preocupação política. Um ou outro pesquisador arrisca a pronunciar essa palavra: política. Como se fosse algo descolado da educação! Mas estamos falando de humanidade, ok? E de política enquanto ação.

Os pesquisadores de ambiência virtual ou gameart se empenham para trazer seus olhares "de processo" à educação e estão sempre preocupados em ressaltar "as coisas boas" de seus estudos sobre tecnologia. E é cada experimento tão interessante... Interfaces com o corpo, a terra, o ar, a sombra. Sentidos em três ou quatro dimensões. Real e virtual em uma mesma textura. Maravilhoso! Maravilhados ficamos com as possibilidades técnicas da humanidade. Já pensou ensinar história usando Age of Empires? Não se sabe bem que tipo de conteúdo será repassado, mas se apre(e)nde!

Onde está mesmo a educação? E a política?

A dedicação para romper preconceitos dentro da academia supera o olhar social. A educação, em diálogo franco com as mídias e a criação artística, tenta, mas não consegue o mais básico: contemplar quem sequer tem a possibilidade de estar dentro da estrutura social formadora (de opinião, de afetos, de posturas, de carreiras, de modos de ser e de viver etc.).

Algo me incomoda. Saio da Pontifícia, paro no ponto de ônibus e vejo uma senhora de meia idade, com um saco nas costas, camisa e calça rasgadas, gritando: "55 anos e um aborto. Foi a única coisa que essa vagina pariu". E aí, mais uma vez, me pergunto: para quê?