segunda-feira, 28 de setembro de 2009

protagonismo negro - "de alma branca"


Olha aí, que cena mais tocante! O que mudou no Brasil, desde 1888? Antes dessa morena chegar, duas moças "branquinhas" e com sacolas nas mãos também fizeram pose segurando a corrente. E o pai delas foi quem fez a fotografia.

O rapaz protagonista desse retrato, cujo nome não lembro, anda pelas ruas de Paraty vestido de escravo e cobrando para tirar fotos. Ele se suja com carvão e usa calça de algodão surrado ao sol. Foi o que lhe restou. Quando conversa, faz questão de dizer que conhece o Daneil Filho e já fez "ponta" na Malhação. "Sou gente, pô". Cidadania atravessada pela estética e pelo discurso do estrelato. No dia em que o conheci, fique embasbacada. Não porque ele resolveu cobrar pelo uso da sua imagem (e, inclusive, se produziu profissionalmente para isso). Quanta gente por aí não faz o mesmo? Mas sim porque há pessoas interessadas em registrar esse momento tão raro em que seguram a corrente, sorriem e tripudiam da história, da dor e da tortura.

Como pode? Tiram sarro do próprio passado! Ou essa garota da fotografia é, por acaso, uma "portuguesinha"?

Meses depois, vejo a gata borralheira da novela das 21h, uma modelo de profissão, desfilando sorridente pelas passarelas do mundo e refletindo o protagonismo social reservado ao negro no Brasil mestiço. Um protagonismo de alma branca, adaptado, forçado. De hábitos refinados, ela não nega as origens ribeirinhas e a infância pobre às margens dos grandes lagos, mas também não recusa uma partida de turfe ou uma lagosta com vinho branco. Não que não possa desfrutar dos prazeres aristocrático-oligárquicos. Não é isso. Mas está muito longe das mulheres, das negras e das pobres do nosso território.

Fosse eu do movimento feminista ou do movimento negro, teria muitos motivos simbólicos para me revoltar com a Rede Globo - a mesma empresa que o "escravo" de fotografia sonha em ocupar, com seu charme e sorriso. Não sendo, revolto-me mesmo assim.

Penso no protagonismo dos negros. E me lembro da informalidade, da falta que fazem os direitos sociais, dos estupros legitimados, dos assaltos à dignidade, da Cinelândia, da Candelária, de Carandiru, do Parque Oeste Industrial, de Eldorado dos Carajás e de tantos outros cenários de barbárie. Lembro também dos quilombolas urbanos e das Universidades com sua recente polêmica de cotas acompanhada de opiniões hipócritas por parte dos "quase-todos-brancos". E fico pensando se essa Helena da novela, de fato, representa as pessoas desse país. Não, né?

Quando era Chica da Silva, Thaís Araújo já era uma protagonista. Mas, parece que a rainha do diamante, da vingança e do trambique não conta muito para a opinião pública forjada pela TV. O que conta é que Helena tem o coração dos puros e um galã da meia idade ao lado, clareando seu brilho de ébano. O que vale é que o discurso que não quer mudar resolveu ser politicamente correto para encantar essas mesmas pessoas que gostam de tirar foto com "escravos".

O Brasil da Casa Grande está aí e continua o jogo simbólico com sua Senzala. Ao som de uma bossa nova qualquer, vale ressaltar.